Estamos
no limiar da Páscoa do Senhor. Durante estes últimos quarenta dias, a
Igreja-Esposa acompanhou o Cristo, seu Divinal Esposo, ao deserto. Nós,
cristãos, não ficamos alheios à caminhada quaresmal, que, desde o
primeiro instante, nos convida a tomarmos ciência do “tripé” que
sustenta tal tempo: a oração, o jejum-penitência e a esmola.
É
neste contexto preparativo, litúrgico-espiritual, que, em nossas
comunidades, ou mesmo mergulhados em uma devoção particular, rezamos as
quatorze estações da Via Crucis.
Tal exercício de piedade remonta-nos a toda trajetória da Paixão e
Morte de Jesus; acompanhamo-lo até a sua sepultura, donde temos a
certeza de que ele saiu vitorioso sobre o pecado e morte, libertando-nos
das amarras que tínhamos junto à miséria provocada pelo poder das
trevas.
Ora,
esquecemo-nos de que, ao refletirmos sobre a Via Dolorosa, somos
mergulhados no mistério de nossa salvação. Muitas vezes, somos tentados a
imaginar a Paixão e a Morte do Senhor como uma realidade distante e
indiferente a nós, como que um fato meramente histórico. Não, esta
prática deve nos lembrar de que todas as agruras que Jesus sofreu foram
por amor a nós: “Sendo ele de condição divina, não se prevaleceu de sua
igualdade com Deus, mas aniquilou-se a si mesmo, assumindo a condição de
escravo e assemelhando-se aos homens. E, sendo exteriormente
reconhecido como homem, humilhou-se ainda mais, tornando-se obediente
até a morte, e morte de cruz” (Fl 2, 6-8).
No
entanto, somos convidados a, meditando as dores de Jesus, entregarmos a
Ele as nossas “cruzes” cotidianas; e, de igual maneira, ao sofrermos o
nosso martírio incruento do dia-a-dia, vermos no “Servo de Deus” (cf.Is
52-53), que se aniquilou no vértice do madeiro da cruz, fazendo
miserável por nós, o exemplo de oferecimento agradável ao Pai,
sentimento que identifica os seguidores do Homem Perfeito, pois se nós
sofremos e gememos com as nossas “torturas” diárias, quanto mais sofreu o
Redentor do gênero humano, o Imaculado, levando nos ombros os pecados
de toda a humanidade.
Para
nós, o caminho do calvário é a peregrinação que fazemos nesta vida ao
rumar para a nossa Pátria, o Céu. Desta forma, a cruz, a coroa de
espinhos, os pregos, os chicotes são os nossos pecados, fragilidades,
misérias, dores, sofrimentos, angústias, que nos pesam imensamente nos
ombros de uma existência turbulenta; a tuba que grita “crucifica-o” são
os poderes das trevas, que a todo o momento querem a nossa ruína;
Pilatos e os seus soldados, os que trapaceiam e maquinam a nossa queda;
as mulheres piedosas são as pessoas que, compadecidas, lamentam, em
nosso lugar; Verônica é a que, invadindo toda a correnteza de morte,
proporciona-nos, com um gesto simples, uma afável atitude: a tentativa
de minorar a nossa consternação; o Cirineu, o desconhecido que caminha
conosco, indivíduo que nunca imaginamos junto a nós, mas que não se faz
indiferente, auxilia-nos, mesmo que, contra a sua vontade; João, as
pessoas que nos admiram e querem estar ao nosso lado, permanecem fiéis
até mesmo nos momentos difíceis; Maria, a presença amiga, acima de tudo
maternal, que nos conforta apenas com um olhar, nada mais do que isso,
um olhar penetrante e aflito de alguém que ama, que confia sempre em
nós, querendo-nos o melhor. Diante dos diversos instrumentos e
personagens que cercam a bendita Paixão do Senhor, percebemos que também
nós, em nosso diário “caminho de dores”, temos igual itinerário, muito
menos violento é claro, mas é a nossa “Via”. É necessário trilhá-la com
os mesmos sentimentos do Cristo, para tal se faz mister que “corramos com perseverança ao combate proposto, com o olhar fixo no autor e consumador de nossa fé, Jesus” (Hb 12, 1).
Para
trilharmos a “Via” devemos ser conscientes do que poderá nos acontecer:
seremos julgados injustamente; escarnecerão de nós; cairemos, não
somente três, mas inúmeras vezes; despojar-nos-ão de nossa dignidade com
blasfêmias e injúrias; seremos tratados com ignomínia aos olhos do
mundo; crucificar-nos-ão ao madeiro do nosso sofrimento; sepultarão a
nossa decência; enfim, tudo isso padeceremos, também por amor ao Cristo
Sofredor. Porém, não devemos encarar tais dissabores como castigo. Não,
pois, “se morremos com Cristo, cremos que viveremos também com ele” (Rm
6, 8), e ainda, “Deus é fiel: não permitirá que sejamos tentados além
das nossas forças, mas com a tentação ele nos dará os meios de
suportá-la e sairmos dela” (cf. 1 Cor 10, 13). A cruz, quando encarada
com Cristo, perde o seu valor de sofrimento e de acoimo. Ganha um novo
sabor que nos apetece: o de conforto-união ao Mestre.
Que
nos espinhosos caminhos de nossa vida lembremo-nos de que tudo o que
passamos é transitório. Nossa alegria, tranquilidade, bem-estar, não se
encontram nesta terra, pois não fomos criados para ela; mas está no céu,
coroa dos santos, dos fiéis combatentes, daqueles que tudo suportam por
amor a Jesus, tendo sempre os “olhos fixos nele”.
Seminarista Everson Fontes
Seminarista Everson Fontes
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