O mundo moderno
apresenta-se simultaneamente poderoso e fraco, capaz do melhor e do pior;
abre-se diante dele o caminho da liberdade ou da escravidão, do progresso ou da
regressão, da fraternidade e do ódio. Por outro lado, o homem toma consciência
de que depende dele a boa orientação das forças por ele despertadas e que podem
oprimi-lo ou servi-lo. Eis por que se interroga a si mesmo.
Na verdade, os
desequilíbrios que atormentam o mundo moderno estão ligados a um desequilíbrio
mais profundo, que se enraíza no coração do homem. No íntimo do próprio homem,
muitos elementos lutam entre si. De um lado, ele experimenta, como criatura,
suas múltiplas limitações; por outro, sente-se ilimitado em seus desejos e
chamado a uma vida superior.
Atraído por muitas
solicitações, é continuamente obrigado a escolher e a renunciar. Mais ainda:
fraco e pecador, faz muitas vezes o que não quer e não faz o que desejaria. Em
suma, é em si mesmo que o homem sofre a divisão que dá origem a tantas e tão
grandes discórdias na sociedade.
Muitos, sem dúvida,
que levam uma vida impregnada de materialismo prático, não podem ter uma clara
percepção desta situação dramática; ou, oprimidos pela miséria, sentem-se
incapazes de prestar-lhe atenção.
Outros, em grande
número, julgam encontrar satisfação nas diversas interpretações da realidade que
lhes são propostas.
Alguns esperam
unicamente do esforço humano a verdadeira e plena libertação da humanidade, e
estão persuadidos de que o futuro domínio do homem sobre a terra dará satisfação
a todos os desejos de seu coração.
Não faltam também os
que, desesperando de encontrar o sentido da vida, louvam a audácia daqueles que,
julgando a existência humana vazia de qualquer significado próprio, se esforçam
por encontrar todo o seu valor apoiando-se apenas no próprio esforço.
Contudo, diante da
atual evolução do mundo, cresce o número daqueles que formulam as questões mais
fundamentais ou as percebem com nova acuidade. Que é o homem? Qual é o sentido
do sofrimento, do mal e da morte que, apesar de tão grandes progressos,
continuam a existir? Para que servem semelhantes vitórias, conseguidas a tanto
custo? Que pode o homem dar à sociedade e dela esperar? Que haverá depois desta
vida terrestre?
A Igreja, porém,
acredita que Jesus Cristo, morto e ressuscitado por todo o gênero humano,
oferece ao homem, pelo Espírito Santo, luz e forças que lhe permitirão
corresponder à sua vocação suprema; ela crê que não há debaixo do céu outro nome
dado aos homens pelo qual possam ser salvos.
Crê igualmente que a
chave, o centro e o fim de toda a história humana encontra-se em seu Senhor e
Mestre.
A Igreja afirma,
além disso, que, subjacente a todas as transformações, permanecem imutáveis
muitas coisas que têm seu fundamento último em Cristo, o mesmo ontem, hoje e
sempre.
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X. Ouvir – a primeira e fundamental atitude!
Três meses após a saída do Egito, o povo chegou ao
deserto do Sinai, no sul da península. Aí, o
Senhor e Israel iriam fazer uma
Aliança para sempre! O Senhor recorda o que Ele fez pelo povo e pede-lhe amor e
obediência: “Vistes o que fiz aos egípcios,
e como vos levei sobre asas de águia e vos trouxe a Mim. Agora, se realmente
ouvirdes Minha voz e guardardes a Minha aliança, sereis Minha propriedade
exclusiva dentre todos os povos. De fato é Minha toda a terra, mas vós sereis
para Mim um reino de sacerdotes e uma nação santa” (Ex 19,4-6).
O povo responde,
generoso: “Tudo que o Senhor disse nós faremos!” (Ex 19,8). Toda esta
aliança de amor, Israel a resume nas palavras do Shemá: “Ouve,
Israel! O Senhor nosso Deus é o único Senhor. Amarás o Senhor teu Deus, com todo
o coração, com toda a alma, com todas as forças e trarás bem dentro do coração
todas estas palavras que hoje te digo. Tu as inculcarás a teus filhos e delas
falarás quando estiveres sentado em casa e quando estiveres andando pelos
caminhos; quando te deitares e quando te levantares. Hás de atá-las à mão para
te servirem de sinal; e as colocarás como faixa entre os olhos, e as escreverás
nos umbrais da casa e nas portas” (Dt 6,4s).
Atenção para o
sentido destas palavras! Afirmar que o Senhor é um só e somente Ele, o Senhor, é
Deus, não é uma questão numérica. Trata-se de ter firme na mente, no coração e
na vida que somente o Senhor é tudo: é a origem, o fundamento, o sentido, o
sustento e a finalidade de tudo quanto existe e da minha própria existência
pessoal. Afirmar que somente o Senhor é Deus significa renunciar a viver para
mim, centrado em mim, do meu modo e na minha medida, para viver para Ele,
centrado Nele, do Seu modo e na Sua medida: eu não sou Deus, as pessoas às quais
amo não são Deus, meus bens e meus projetos não são Deus: só o Senhor é Deus!
Assim, Nele eu vivo e Nele aposto toda a minha existência em total obediência à
Sua santa vontade! Eis o sentido profundo e radical do Shemá Israel!
Mas, como o amor não pode ser imposto, ordenado, mas somente conquistado, as
palavras santas da Escritura começam precisamente com um “Ouve, Israel!”... Que
significa isto? Israel, abre teu ouvido e teu coração, recorda tudo quanto o
Senhor fez por ti: como te socorreu, como te arrancou do Egito, como te
conduziu, como é um Deus grande, forte e misericordioso! Ouve, recorda, medita,
aprende... E, por tudo isto e em tudo isto, aprende a amar o teu Deus, porque
Ele é amável, Ele o merece!
A aliança do Sinai é
um ponto alto da comunhão entre Israel e o seu Deus e envolve um amor exclusivo:
O Senhor será o Deus de Israel e Israel somente terá o Senhor como o seu Deus.
Esta aliança entre o Deus-Esposo e Israel-Esposa será expressa de modo
apaixonado pelo Cântico dos Cânticos: “Meu Amado é para mim e eu sou para o
meu amado!” (Ct 2,16). Infelizmente, já aí mesmo, Israel cometeu o maior de
todos os seus pecados no deserto: a idolatria, que equivale a um adultério! Tal
pecado é causado pelo desejo de domesticar o Senhor e Dele dispor como uma coisa
a seu serviço: “Vendo que Moisés demorava a descer do monte, o povo
reuniu-se em torno de Aarão e lhe disse: ‘Vamos! Faze-nos um deus que caminhe à
nossa frente. Pois quanto a um tal de Moisés, o homem que nos tirou do Egito,
não sabemos o que aconteceu’. Aarão lhes disse: ‘Tirai os brincos de vossas
mulheres, vossos filhos e vossas filhas, e trazei-os a mim’. Todo o povo
arrancou os brincos de ouro que usava, e os trouxe para Aarão. Recebendo o ouro,
ele o moldou com o cinzel e fez um bezerro fundido. Então eles disseram: ‘Aí
tens, Israel, o deus que te fez sair do Egito!’ Ao ver isto, Aarão construiu um
altar diante da imagem e proclamou: ‘Amanhã haverá festa em honra do Senhor’.
Levantando-se na manhã seguinte, ofereceram holocaustos e apresentaram
sacrifícios pacíficos. O povo sentou-se para comer e beber, e depois levantou-se
para se divertir. O Senhor falou a Moisés: ‘Vamos! desce, pois perverteu-se o
teu povo que tiraste do Egito. Bem depressa desviaram-se do caminho que lhes
prescrevi. Fizeram um bezerro fundido, adoraram-no e ofereceram sacrifícios
diante dele, dizendo: ‘Israel, aí tens o teu deus, que te fez sair do Egito’. O
Senhor disse a Moisés: ‘Já vi que este povo é um povo de cabeça dura’” (Ex
32,1-9).
Note bem: Israel não
renega o Senhor, tanto que, festejando os bezerros pensava estar fazendo uma
festa para o Senhor (cf. Ex 32,5)... Então, qual é o seu pecado? É querer
controlar o Senhor, nem que
para isto tenha-se que reduzi-lo a um bezerro: querem um deus que caminhe à
frente dele do modo deles, no ritmo deles, controlado por eles, um deus que diga
‘amém’ aos projetos deles! (cf. Ex 32,1) Ter o Senhor na mão, reduzir Deus à
nossa medida, à nossa lógica, ao nosso gosto, controlá-Lo de modo que possamos
utilizá-Lo em proveito nosso – eis a tentação de Israel e nossa! Mas o Senhor não se deixa controlar: nem
pela arca (cf. 1Sm 4,4-12), nem pelo Templo, nem por Jerusalém, (cf. Jr 7,1-15)
nem por nada! Se Israel e nós quisermos caminhar com o Senhor, temos de nos
amoldar a Ele, um Deus grande, livre, incontrolável, misterioso! Nós é que temos
de nos converter a Ele; não Ele a nós!
Observe como o
Senhor mostra-Se indignado com a atitude do Seu povo! Chega mesmo a dizer a
Moisés: é o teu povo, que tu tiraste do Egito... A linguagem é forte e áspera,
quase como se Deus dissesse: este não é mais o Meu povo! O Senhor terá que
educar Israel; o povo terá que destruir seus ídolos, suas falsas seguranças!
Moisés fará o povo destruir os bezerros de ouro, reduzi-los a pó e beber (cf. Ex
32,19-20).
Quantas vezes isto
se repetirá na história de Deus com o Seu povo! O coração de Israel, como o
nosso, é inconstante! Mais tarde, o
Senhor exclamará: “Que te farei, Efraim? Que te farei, Judá?
Vosso amor é como a nuvem da manhã, como o orvalho que cedo desaparece” (Os
6,4).
Mas, o caminho
continua: Israel dirigiu-se, então, para o deserto de Farã. O Senhor guiava-o como uma coluna de
nuvem (cf. Nm 10,11). No Seu carinho, o
Senhor habitava no meio de Seu povo na Tenda de Reunião (cf. Ex 40).
Mesmo assim, Israel murmurava e se revoltava contra o seu Deus, preferindo o
comodismo da escravidão à responsabilidade da liberdade concedida pelo Senhor:
“O bando de estrangeiros que estava no meio deles foi assaltado por um
incontrolado apetite, de modo que até os israelitas começaram de novo a
lamentar-se e a dizer: ‘Quem nos dera comer carne! Estamos lembrados dos peixes
que comíamos de graça no Egito, dos pepinos, melancias, melões, cebolas e alhos!
Agora estamos definhando à míngua de tudo. Não vemos outra coisa senão maná’ (Nm
11,4ss).
Por este milésimo
pecado, o Senhor respondeu
dando o que o povo teimosamente desejava, até à indigestão mortal. Os modos e
desejos de Israel são indigestos e mortíferos! “Uma vez que vos lamentastes
aos ouvidos do Senhor , dizendo: ‘Quem nos dera comer carne! No Egito éramos
felizes!’ Por isso o Senhor vos dará de comer carne. Não será apenas um dia que
comereis, nem dois, nem cinco, dez ou vinte, mas o mês inteiro, até que a carne
vos saia pelas narinas e vos cause náuseas. Pois rejeitastes o Senhor , que está
no meio de vós, e vos lamentastes diante dele, dizendo: ‘por que saímos do
Egito?’” (Nm 11,19-20.30).
Para
pensar e rezar:
= Pense: O Senhor é
um Deus exigente e ciumento: não nos aceita pela metade! É todo para nós e nos
quer todo para Ele!
= Tem sido verdade
na sua vida as palavras da Aliança: “Meu Amado é para mim e eu sou para o meu
Amado”? Para quem é seu coração, seu afeto, sua prioridade de vida?
= Não esqueça: o
princípio do caminho com o Senhor é ouvir... Ouvindo, conhecê-Lo e,
conhecendo-O, amá-Lo! Ouve-se o Senhor na Escritura, na oração, na intimidade
com Ele. E isto é possível vivendo na Sua comunidade, que é a Igreja.
= Você se abandona
nas mãos do Senhor, ou deseja controlá-Lo, construindo “bezerros” que lhe deem
segurança?
= Cuidado para que
seus caprichos não levem você à indigestão, matando no seu coração a amizade com
o Senhor Deus. Pense nisto!
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02/03/2012 |
IX. A tremenda dúvida: O Senhor está ou não conosco?
O
povo partiu novamente e, em Rafidim, sedento e cansado do caminho, murmurou
gravemente contra o Senhor. Trata-se de uma das mais graves crises da travessia
do deserto. Eis o texto que narra este momento dramático do caminho de Israel:
“Toda a comunidade dos israelitas partiu do
deserto de Sin, seguindo as etapas indicadas pelo Senhor, e acamparam em
Rafidim. Mas não havia água para o povo beber. Então o povo pôs-se a discutir
com Moisés, dizendo: ‘Dá-nos água para beber!’ Moisés respondeu-lhes: ‘Por que
vos meteis a discutir comigo? Por que tentais o Senhor?’. Mas o povo, sedento
d’água, reclamava contra Moisés e dizia: ‘Por que nos fizeste sair do Egito?
Para matar-nos de sede junto com nossos filhos e o gado?’ Moisés clamou ao
Senhor, dizendo: ‘Que vou fazer com este povo? Por pouco que não me apedrejam’.
O Senhor disse a Moisés: ‘Passa à frente do povo e leva contigo alguns anciãos
de Israel. Pega a vara com que feriste o rio Nilo e caminha. Eu estarei na tua
frente sobre o rochedo, lá no monte Horeb. Baterás no rochedo e sairá água para
que o povo possa beber’. Moisés assim o fez na presença dos anciãos de Israel.
Chamou o lugar com o nome de Massa e Meriba, por terem os israelitas discutido e
tentado o Senhor, dizendo: ‘O Senhor está, ou não está, no meio de nós?’” (Ex
17,1-7).
Pense um pouco:
Israel encontra-se em pleno deserto do Sinai, um deserto de altas montanhas
rochosas, de uma solidão e aridez aterradoras. Sol, calor, poeira, pedregulhos,
solidão, incerteza... E não há água! Como viver sem água? Como continuar o
caminho? Israel olha para um lado e para o outro e não vê chance, não vê saída!
A falta de perspectiva gera a angústia, a angústia engendra o desespero e o
desespero leva ao irracional: murmuram contra Moisés e explodem: Moisés tem que
encontrar uma solução: “Dá-nos água para beber!”
Aqui se pode
perguntar: mas, qual a culpa de Israel? Observe o que já indiquei em postagens
anteriores: o povo de Deus não reza, não se volta para o Senhor Deus, não clama
ao Santo de Israel. Simplesmente seu olhar é rasteiro e raso: vê a situação
grave, o desafio e só! Já Não vê o Senhor, não recorda do Senhor, não mais se dá
conta de que foi o Senhor fidelíssimo e pleno de poder que o tirou do Egito!
Nada! Na hora da crise, para Israel, Deus é o ausente, o que na prática não
existe, o que não está no meio do Seu povo! Israel mata Deus no seu coração!
Ficam diante de Israel só o deserto, a sede, a revolta e Moisés, o responsável
por tudo: “Por que nos fizeste sair do Egito? Para matar-nos de sede junto com
nossos filhos e o gado?” Israel não reza... E porque não reza não tem a santa
lembrança de Deus no seu coração e na sua mente. Esquecido do Senhor, Israel é
cego; só vê a superfície, a aparência, o imediato, como todo mundo vê! O povo
eleito pelo Senhor teima em parecer com todos os outros povos...
Veja a atitude de
Moisés: ante o deserto, a sede, o calor, a falta d’água e, mais gravemente, a
murmuração revoltada do povo, ele reza, clama ao Senhor! E, por isso,
experimenta o Senhor como presente, como atuante na sua vida.
O Senhor lhe ordena
bater no rochedo do Horeb (=Sinai) e dali sairá a água. No mesmo Monte sagrado
onde o Eterno dará a Torah, a Lei santa, Ele dá á água, saída de um dos
rochedos daquela Montanha. Como á água, a Torah será a vida para Israel! E a
água jorrou, saciando Israel, como jorrará a Torah saciando o coração do Povo
santo de Deus! Mas, esse lugar recebe os nomes de Massa (Provocação) e Meriba
(Discussão), pois aí Israel duvidou da presença fiel e eficaz do Senhor no seu
meio: O Senhor está ou não conosco? O Senhor existe ou não para nós? Ele é um
Deus presente ou apenas uma ideia sem consistência, um fantasma
ilusório?
Mais tarde, o
salmista, recordando este acontecimento, exortará o povo a escutar a voz do
Senhor no hoje de cada geração, no meu e no seu hoje, no hoje da Igreja, (Sl
95[94]) e o Autor da Carta aos Hebreus retomará o tema com grande profundidade,
alertando-nos a nós, cristãos, Israel novo, peregrino no deserto sequioso deste
mundo: “Portanto, irmãos santos, participantes da vocação que vos destina à
herança do céu, considerai o mensageiro e Sumo Sacerdote da fé que professamos,
Jesus. Ele está credenciado diante Daquele que O constituiu, como também Moisés
o foi em toda sua casa. E sua casa somos nós, contanto que permaneçamos firmes
até o fim, professando intrepidamente nossa fé e jubilosos da esperança que nos
pertence. Por isso, como diz o Espírito Santo: ‘Se ouvirdes hoje sua voz não
endureçais vossos corações, como na Rebelião, como no dia da Tentação no
deserto, onde vossos pais Me tentaram e me puseram à prova e viram Minhas obras
durante quarenta anos. Por isso me indignei contra aquela geração e disse:
tiveram um coração sempre transviado e desconheceram meus caminhos; assim jurei
em minha cólera: não entrarão em meu repouso. Olhai, irmãos, que não haja entre
vós um coração mau e incrédulo, que se aparte do Deus vivo. Antes animai-vos
mutuamente cada dia durante todo o tempo compreendido na palavra hoje, a fim de
que nenhum de vós se endureça com o engano do pecado. Porque fomos feitos
participantes de Cristo na suposição de que até o fim conservemos a firme
confiança do princípio”. (Hb 3,1-2.6-14).
Bela exortação: No
caminho deste mundo, tanta vez deserto e aterrador, olhemos não mais Moisés, mas
Jesus nosso Senhor e Salvador; recordemos aonde Ele nos conduz: à herança
celeste! Por isso, a cada dia, procuremos distinguir Sua presença e ouvir Sua
voz na vida miúda, no mundo do corre-corre, nas contradições e securas da vida!
Hoje Ele nos vai falar! Quanto a nós, não endureçamos o coração como Israel no
deserto, não percamos de vista o Senhor por causa da leviandade do nosso
coração! “O Senhor está ou
não no nosso meio?” - eis a pergunta sacrílega de Israel! Todos os dias, logo
cedo, a Igreja nos exorta na Liturgia das Horas: “Hoje, se ouvirdes a sua voz,
não endureçais os vossos corações!” Sim, Ele vai falar, hoje! E nós, muitas
vezes, de coração duro, não escutamos e perguntamos: “O Senhor está ou não no
nosso meio?”
Para terminar:
Depois desta grave contenda, Deus ainda combateu Amalec em favor de Israel, seu
filho amado, mas teimoso e descrente. As mãos erguidas de Moisés, suplicando a
graça, fazem o povo vencer! (cf. Ex 17,8-16). Mas, nem assim o povo aprenderá a
confiar!
Para
pensar e rezar:
= Nas securas da
vida, tenho sabido procurar o Senhor, olhar para Ele ou, ao invés, vejo somente
a situação na sua superficialidade e, então, murmuro e descreio?
= Em que coloco
minha certeza e esperança: nas circunstâncias da existência ou no
Senhor?
= Diariamente,
procure viver na presença de Deus, renovando sempre a consciência de que Ele
está na sua vida, Ele é o Deus presente e atuante.
= Seu modo de ver é
segundo Deus ou segundo o mundo?
= Pense: Segundo a
tradição judaica aquele rochedo do qual brotou água para saciar o povo no
deserto, acompanhou o povo durante todo o seu caminho no deserto. Esse rochedo é
imagem do Cristo Jesus, de cujo lado saem a água do Batismo e o sangue da
Eucaristia. Leia 1Cor 10,1-4; Jo 19,31-37).
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01/03/2012 |
VIII. Um povo esquecido e teimoso
Partindo de Mara (= amargura), o povo chegou a Elim:
ali, esquecendo-se de tudo quanto vira o
Senhor realizar em seu favor,
esquecendo-se também das provações e da amargura da escravidão, o povo murmurou
novamente: “Toda a comunidade dos
israelitas pôs-se a murmurar contra Moisés e Aarão no deserto, dizendo-lhes:
‘Quem dera que tivéssemos morrido pela mão do Senhor no Egito, quando nos
sentávamos junto às panelas de carne e comíamos pão com fartura! Trouxestes-nos
ao deserto para matar de fome toda esta gente!’” (Ex 16,2s).
São os dois pecados
fundamentais de Israel no deserto: a murmuração e o esquecimento: aquela é filha
deste. Israel esquece facilmente as provas de amor do Senhor e, esquecendo-se já
não vê o seu Deus, e tirando o Senhor de sua perspectiva, da sua vida concreta,
murmura.
Observemos aqui a
dinâmica da murmuração de Israel: primeiro é de uma má vontade impressionante:
esquece o quanto sofria no Egito: sua humilhação, sua escravidão, os
recém-nascidos jogados no Nilo! Ingrato para com Deus, mal-agradecido, chega a
esnobar a obra amorosa do Senhor: era melhor termos morrido no Egito!
Israel sente
saudades das míseras panelas de carne – carne de escravidão! – que comia no
Egito! E, na sua leviandade, na sua estreiteza de visão, volta-se contra Moisés
e Aarão: “Por que nos tirastes do Egito?” Ora, não foram Moisés e Aarão, mas o
Senhor que o tirou do Egito!
No entanto, como já
foi dito, a murmuração impede de ver com os olhos da fé, de contemplar na
perspectiva de Deus! Israel é de memória curta: não é capaz, no momento de crise
e escuridão, de recordar os momentos de luz em que Deus esteve ao seu
lado!
Portanto, Israel é
espiritualmente preguiçoso, medíocre: preferia o comodismo da escravidão ao
desafio da liberdade! Este povo não sabia ainda que seus tempos e seus modos não
são os tempos e modos do Senhor; tinha a cerviz dura e queria as coisas
do seu modo! Por isso chegou a ser extremamente cruel na sua ingratidão! O Senhor, na sua misericordiosa
paciência, deu-lhe o maná e, novamente, pôs o povo à prova: “O Senhor disse
a Moisés: ‘Vou fazer chover do céu pão para vós. Cada dia o povo deverá sair
para recolher a porção diária. Assim vou pô-lo à prova, para ver se anda, ou
não, segundo a Minha lei. Mas no sexto dia quando prepararem o que tiverem
trazido terão o dobro da coleta diária’” (Ex 16,4s).
Quanto ao maná,
sinal do cuidado e do carinho do Senhor Deus para com o Seu povo, só poderia ser
recolhido por um dia; é como o pão que o Senhor Jesus nos ensina a pedir: “O
pão nosso de cada dia dá-nos hoje!” Assim, “Moisés lhes disse: ‘Ninguém guarde
nada para amanhã” (Ex 16,19). Mas, não tem jeito: Israel é como eu, como
você: é teimoso e desconfiado em relação a Deus; não consegue abandonar-se
totalmente à providência do Senhor: “Alguns desobedeceram a Moisés e guardaram o
maná para o dia seguinte; mas ele bichou e apodreceu!” (Ex 16,20). Não adiante:
o que construímos como apego, como muleta, como falsa segurança, bicha,
apodrece! Somente no Senhor está a vida perene; somente o Senhor é a rocha da
nossa existência! Daí a queixa de Moisés, que é a queixa do Senhor Deus:
“Até quando recusareis guardar Meus mandamentos e Minhas leis?” (Ex
16,28) – esta pergunta o Senhor nos faz! Quanto somos também nós teimosos e
desconfiados em relação ao Senhor! Até quando?
Para terminar:
“O Senhor ordenou que se encha um jarro de maná para guardá-lo, a fim de que
as gerações futuras possam ver com que alimento vos sustentei no deserto, quando
vos fiz sair da terra do Egito” (Ex 16,32) Eis: o Senhor não quer que Seu
povo esqueça Suas obras na vida de seus fieis! Que vendo recordem, recordando
creiam e crendo obedeçam e amem o Senhor no presente da vida! Também hoje, o
Senhor deixa para a Sua Igreja, novo Israel, o perene maná, sinal máximo do Seu
amor e da Sua presença no meio do Povo santo: a Eucaristia, alimento que o
próprio Pai no dá como fonte de vida verdadeira, que não estraga e não
bicha!
Para
pensar e rezar:
= A raiz de todo o
pecado é o esquecimento de Deus e de Suas obras em nosso favor. Procure hoje
recordar, agradecido, todo o caminho que o Senhor o fez percorrer nesta vida.
Recorde quantas vezes o Senhor mostrou sua presença em tantas situações da sua
existência! Ele é o deus fidelíssimo; Nele se pode confiar!
= Seu coração é um
coração fiel em relação ao Senhor ou, ao invés, é um coração velhaco e
esquecido?
= O pecado, por
triste que seja, deixa saudades, como as carnes do Egito... É preciso combater
as marcas que o pecado deixou em nós. É preciso curar as lembranças, não
alimentando a recordação saborosa e gozosa dos pecados cometidos. Lembre-se
somente de uma coisa: de Jesus Cristo morto e ressuscitado por você!
= Muitos israelitas
procuram fazer provisão e reserva de maná. Não confiam na providência de Deus. E
você, confia? Procure responder com fatos e atitudes concretas!
= Lembre: o que
construímos como apego, como muleta, como falsa segurança, bicha,
apodrece!
= Para viver:
procure fazer da Eucaristia perene e feliz memorial do grande dom de amor que o
Senhor nos fez: o Seu Filho amado, nossa vida e salvação!
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29/02/2012 |
VII. A amargura da murmuração
Agora, acompanharemos algumas das etapas de Israel no
caminho do deserto. Lembremo-nos: o caminho de Israel é o nosso caminho! Nunca
percamos de vista a palavra da Escritura a respeito do Antigo Testamento:
“Irmãos, não quero que ignoreis o seguinte:
Os nossos pais estiveram todos debaixo da nuvem e todos passaram pelo mar; na
nuvem e no mar, todos foram batizados em Moisés; todos comeram do mesmo alimento
espiritual e todos beberam da mesma bebida espiritual; de fato, bebiam de uma
rocha espiritual que os acompanhava. Essa rocha era o Cristo. No entanto, a
maior parte deles desagradou a Deus e, por isso, caíram mortos no deserto. Esses
acontecimentos se tornaram símbolos para nós, a fim de não desejarmos coisas
más, como eles desejaram. Não vos torneis idólatras, como alguns deles, segundo
está escrito: “O povo sentou-se para comer e beber; depois, levantaram-se para
se divertir”; nem nos entreguemos à prostituição como se entregaram alguns
deles, vindo a morrer vinte e três mil num só dia; nem ponhamos à prova o
Senhor, como fizeram alguns deles, os quais morreram, picados pelas serpentes;
nem murmureis, como alguns deles murmuraram e, por isso, foram mortos pelo
Exterminador. Estas coisas lhes aconteciam com sentido figurativo e foram
escritas como advertência para nós, a quem chegou o fim dos tempos” (1Cor
10,1-11).
Ao sair do Egito o povo caminhou três dias rumo ao
sul, sem encontrar água. Ao encontrá-la, era amarga e o povo murmurou:
“Moisés fez partir Israel do mar Vermelho.
Tomaram a direção do deserto de Sur. Caminharam três dias pelo deserto sem achar
água. Chegando a Mara, não puderam beber a água de Mara, por ser amarga; por
isso deram ao lugar o nome de Mara. O povo murmurou contra Moisés, dizendo: ‘Que
vamos beber?’ Moisés clamou ao Senhor, e o Senhor lhe indicou um tipo de planta
que ele jogou na água, e esta tornou-se doce. Foi ali que Ele deu ao povo uma
lei e um direito, e os pôs à prova. Disse-lhes: ‘Se de fato
escutares a voz do Senhor teu Deus, se fizeres o que é reto a Seus olhos, se
deres ouvido a Seus mandamentos e observares todas as Suas leis, não te causarei
nenhuma das enfermidades que causei aos egípcios, pois Eu sou o Senhor que te
cura’” (Ex 15,22-26).
A
murmuração será uma constante no comportamento de Israel, sinal de esquecimento,
ingratidão e falta de fé, sinal de um coração velhaco e leviano! Que é murmurar?
É reclamar, é em voz baixa ou no silêncio do coração criticar continuamente,
lamentar o tempo todo, especular de mau ânimo como deveria ser e não é, o que
deveria acontecer e não aconteceu, o que deveria ter e não há... Assim, se está
sempre insatisfeito, sempre numa atitude de reivindicação e de má
vontade.
A murmuração brota
da incapacidade de contemplar, de pensar e sentir em profundidade, de descobrir
o sentido por trás dos acontecimentos! Ela destrói a fé, destrói qualquer
comunidade e envenena os corações. A murmuração azeda as relações numa família,
no trabalho e, sobretudo, no ambiente de fé da comunidade de irmãos, que é a
Igreja. Vê-se somente a casca, a superfície. Torna-se incapaz de ver a ação de
Deus e Sua santa presença por trás dos acontecimentos e das
pessoas...
Israel murmurará
contra a sede, contra a fome, contra os perigos da guerra. Também serão uma
constante as provas pelas quais o
Senhor fará Israel passar, para que ele conheça o fundo de seu
próprio coração: somente se conhecendo a si, Israel será capaz de conhecer
realmente o seu Deus e entrar em comunhão com ele: “Lembra-te de todos os
caminhos que o Senhor teu Deus te fez andar nestes quarenta anos pelo deserto,
para te humilhar e te provar, para conhecer tuas intenções, e saber se
observarias ou não os mandamentos. Reconhece, pois, em teu íntimo que, como um
homem corrige o filho, assim o Senhor teu Deus te corrige. Guarda os mandamentos
do Senhor teu Deus, para andares por seus caminhos e o temeres. Guarda-te bem de
esquecer o Senhor teu Deus, deixando de observar os mandamentos, os decretos e
as leis que hoje te prescrevo. Ele, que te conduziu através do deserto grande e
terrível, cheio de serpentes venenosas e escorpiões, de terra árida e sem água,
fez brotar água de rocha duríssima 16 e te deu para comer no deserto o
maná que teus pais não conheciam, a fim de te humilhar e provar, visando a teu
bem futuro” (Dt 8,2.5s.11.15s).
Para
pensar e rezar:
= Neste deserto da
vida, como tenho olhado a realidade ao meu redor: com os olhos da fé ou,
simplesmente, numa dimensão meramente deste mundo?
= Tenho murmurado
diante das situações e pessoas que me colocam em dificuldade?
= Pense nisto:
murmuro quando vejo as coisas simplesmente na minha medida. Só há um modo de ver
e avaliar à medida do Senhor: rezando! Compare a atitude do povo, que murmura
com a atitude de Moisés, que reza... Quem reza volta-se para Deus e Nele
encontra direção e esperança; quem não reza se perde na murmuração e na
superficialidade de visão. Quem reza se salva porque se liberta de si próprio!
Prometa nesta Quaresma largar o vício da murmuração!
= Israel estava no
deserto sem água; era sua própria existência que estava em perigo. Tratava-se de
uma situação grave. Ao invés de rezar, murmurou...
= Pense: as
dificuldades da vida são também provas para conhecermos o que temos no coração!
O que há no seu coração? Pense diante do Senhor Deus!
= Deus deseja curar
seu coração ferido: “Se de fato escutares a voz do Senhor teu Deus, se
fizeres o que é reto a Seus olhos, se deres ouvido a Seus mandamentos e
observares todas as Suas leis, não te causarei nenhuma das enfermidades que
causei aos egípcios, pois Eu sou o Senhor que te cura”. Que tal dar
realmente espaço para Ele na sua vida?
= Você compreende
pedagogia de Deus na sua vida? Lembre que Ele te educa como um pai educa o seu
filho! Se você rezar, compreenderá...
= Releia
cuidadosamente os textos bíblicos acima...
= Uma última coisa:
essa planta que adocicou a água amarga é imagem da árvore da cruz que, tocando a
tanta amargura deste mundo, tornou-se doce pelo amor do Coração do nosso bendito
e santo Deus Salvador Jesus! Que Ele toque e torne doce o seu coração tanta vez
amargurado e amargo! Suplique ao Senhor essa cura! Da murmuração e da
amargura...
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28/02/2012 |
Ateus por engano...
Caro Internauta, aí está o que apareceu na
www.acidigital. Leia com atenção. Neste Blog
já tive oportunidade de falar de Dawkins e algumas ideias suas. Note que
voltamos sempre ao mesmo ponto: Não se pode provar que Deus existe ou que Deus
não existe! Há indícios, não provas! Outra insistência minha: esses cientistas
quando falam de Deus, na verdade falam de uma ideia torta, caricatural de Deus!
No texto abaixo, a intervenção do Arcebispo é perfeita: “Não estou falando de
Deus como um extra (= algo que vem de fora da criação), mas como o centro
disso”... E aí o ateu se confunde, se rende! Ele não tem certeza do ateísmo
dele! Aliás nenhum ateu honesto por ter certeza do seu ateísmo. E o crente
honesto, pode ter certeza da sua fé? Pode! Por quê? Porque é uma certeza de fé!
E o ateu não pode ter uma certeza de fé? Não! Porque senão já não seria ateu,
mas crente de uma religião sem Deus! Seria uma contradição ambulante! Recordo
que neste Blog há vários textos sobre este tema. Só para recordar alguns,
recentes: os textos que escrevi sobre Stephen Hawkings e sobre o Nome de Deus...
Abaixo o texto a que estou me referindo:
Um dos mais famosos ateus do mundo, o britânico
Richard Dawkins, admitiu durante um debate na Universidade de Oxford, que não
pode ter certeza de que Deus não existe.
No debate sobre a natureza e a origem do homem,
Dawkins disse ao máximo líder anglicano, o Arcebispo Rowan Williams, que prefere
declarar-se agnóstico antes que ateu.
O debate, que fechou uma semana no qual se falou
muito sobre a liberdade religiosa e a vida pública na Grã-Bretanha, realizou-se
no Sir Christopher Wren’s Sheldonian Theatre e foi transmitido ao vivo através
da Internet.
Em um momento do diálogo, o Arcebispo disse ao
catedrático que se sentia "inspirado pela elegância" de sua explicação sobre a
origem da vida com a qual concordava em vários aspectos.
Conforme assinala o Daily Telegraph, o professor
Dawkins disse ao Arcebispo que "o que não posso entender é por que você não é
capaz de ver a extraordinária beleza da ideia da vida começando de um nada. Isso
é algo elegante, formoso. Por que quer poluí-lo com uma idéia confusa como
Deus?"
Williams respondeu que estava "de acordo
completamente com o elemento da beleza" no argumento de Dawkins mas precisou:
"Não estou falando de Deus como um extra mas como o centro disso".
Dawkins surpreendeu logo a todos afirmando que
não estava 100% seguro de que não existisse um criador. Então o filósofo Sir
Anthony Kenny, que mediou o debate perguntou: "Por que você não diz então que é
um agnóstico?", e Dawkins respondeu que era assim.
Incrédulo Anthony Kenny replicou: "Mas se diz
que você é o ateu mais famoso do mundo...", ao qual Dawkins respondeu que está
"6,9 de sete" seguro daquilo que acreditava.
"Acredito que a possibilidade de que exista um
criador sobrenatural é muito, mas muito baixa", acrescentou Dawkins.
Logo o debate se deu em torno da possibilidade
de que o homem tivesse evoluído de ancestrais não humanos, mas que chegaram à
realidade atual de seres "à imagem e semelhança de Deus", conforme afirmou o
Arcebispo.
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VI - “No deserto o Senhor te educou”
O
deserto para o qual o Senhor conduz Israel após tirá-lo da escravidão tem um sentido
profundíssimo: “Lembra-te de todos os caminhos que o Senhor teu Deus te fez
andar nestes quarenta anos pelo deserto, para te humilhar e te provar, para
conhecer tuas intenções, e saber se observarias ou não os mandamentos. Ele te
afligiu, fazendo-te passar fome e depois te alimentou com o maná, desconhecido
por ti e por teus pais, para te mostrar que nem só de pão vive o homem mas de
tudo que procede da boca do Senhor. Tuas vestes não se gastaram pelo uso nem os
pés se encheram de calos durante os quarenta anos. Reconhece, pois, em teu
íntimo que, como um homem corrige o filho, assim o Senhor teu Deus te corrige”
(Dt 8,2-5).
O
deserto é o lugar da prova, do desalento, para que o homem perca suas muletas,
suas falsas seguranças e, assim, aprendendo a esperar somente em Deus, descubra
quem é.
O
deserto é o lugar no qual Israel descobrirá quem é realmente e quem é o seu
Deus! Uma experiência dolorosíssima! O tempo no deserto é tempo da formação do
povo e também, misteriosamente, tempo de núpcias, tempo de provação e de
graça!
A
experiência do deserto será paradigma de toda autêntica experiência do Deus
vivo. Deus é assim: provando, colocando em crise, desposa eternamente:
“Assim diz o Senhor: ‘Lembro-me de ti, do amor de tua juventude, do carinho
do teu noivado, quando me seguias pelo deserto, por uma terra agreste. Israel
era sagrado para o Senhor, as primícias de sua colheita; todos os que o
devoravam, tornavam-se culpados, a desgraça caía sobre eles’ –oráculo do Senhor”
(Jr 2,2s).
O
caminho de Israel no deserto é o nosso caminho nesta vida e neste mundo, caminho
de todo o crente, caminho que não é turismo, mas peregrinação: os caminhos, os
modos, os tempos e o destino são determinados pelo Senhor.
Eis
o que é ser cristão: deixa-se o Egito do pecado nas águas do Mar Vermelho da pia
batismal, atravessa-se o deserto da conversão a Deus, para chegar-se à Terra
Prometida, que é a comunhão com o Cristo Jesus, nesta vida e na outra: “Com
alegria, agradecei a Deus Pai, que vos tornou capazes de participar da herança
dos santos no reino da luz. Que nos livrou do poder das trevas e transportou ao
reino de seu Filho amado, no qual temos a redenção: a remissão dos pecados” (Cl
1,12ss).
O
próprio Senhor Jesus quis experimentar este deserto de Israel e vencer onde
Israel fracassara:
(1)
À fome do povo e à sua conseqüente murmuração contra o Senhor, à qual o
Senhor Deus responde com o dom do maná (cf. Ex 16; Nm 11), é
contraposta a tentação diabólica de mudar as pedras em pão (cf. Mt 4,3; Lc 4,3).
A resposta de Jesus tem um profundo sentido teológico: “Ele te afligiu,
fazendo-te passar fome e depois te alimentou com o maná, desconhecido por ti e
por teus pais, para te mostrar que nem só de pão vive o homem, mas de tudo que
procede da boca do Senhor” (Dt 8,3). Em outras palavras: nas suas
experiências de pobreza e de insuficiência, o homem deve recordar que ele não se
sustenta realmente com os pães deste mundo, mas com a palavra que sai da boca de
Deus; palavra viva e eficaz, palavra que se fez carne e habitou entre nós,
palavra que é o próprio Jesus!
(2)
À sede de Israel e ao protesto em Massa, que levou Moisés a pecar tentando a
Deus (cf. Ex 17,1-7), corresponde a sedução diabólica de obrigar Deus ao
milagre: “Se és filho de Deus, joga-te daqui para baixo. Porque está
escrito: A teu respeito ordenou a seus anjos e eles te carregarão nas mãos, para
não tropeçares em alguma pedra” (Mt 4,6). A resposta de Jesus é ressonância
da advertência de Dt 6,16, que se refere a Massa: “Não tenteis o Senhor
vosso Deus, como o tentastes em Massa”.
(3)
Finalmente, a suprema tentação de substituir o verdadeiro Deus, invisível,
misterioso e incontrolável, por um ídolo manipulável e que desse segurança (o
bezerro de ouro - Ex 32; os deuses de Canaã - Ex 23,20-33; 34,11-14). A esta,
corresponde a tentação a Jesus: “Tudo isso te darei se, caindo por terra, me
adorares” (Mt 4,9). A resposta de Jesus, recorda, mais uma vez, o
ensinamento do Deuteronômio: “Temerás o Senhor teu Deus, a ele servirás e
pelo seu nome jurarás” (6,13).
Assim, Jesus vence estas tentações do Povo eleito e
nossas! Santo Agostinho ensinar-nos-á a respeito: “O Senhor nos representou em
sua pessoa quando quis ser tentado por Satanás. Em Cristo também tu eras tentado
porque ele assumiu a tua condição humana, para te dar a sua salvação; assumiu a
tua morte para te dar a sua vida; assumiu os teus ultrajes, para te dar a sua
glória. Por conseguinte, assumiu as tuas tentações, para te dar a sua vitória.
Se nele fomos tentados, nele também vencemos o demônio. Consideras que o Cristo
foi tentado e não consideras que ele venceu? Reconhece-te nele em sua tentação,
reconhece-te nele em sua vitória! O Senhor poderia impedir o demônio de
aproximar-se dele; mas, se não fosse tentado, não te daria o exemplo de como
vencer na tentação” (Santo Agostinho - Comentários sobre os Salmos).
Para pensar e rezar:
=
Os desertos que atravessamos são como as noites desta vida... Por qual deserto
você está atravessando agora? Como tem reagido? Tem caminhado na presença do
Senhor?
=
Lembra-te: o Senhor te faz atravessar o duro deserto para te libertar de ti
mesmo, de tuas escoras... Ele te faz saber, no sofrimento, o que tens no teu
coração... Quem és tu? Do que és capaz? Até onde amas o teu Deus? Até onde Nele
confias?
=
Se no deserto o Senhor te prova, aí também te desposa, na medida em que te
entregares a Ele...
=
Para não morreres no deserto, para nele não te extraviares, pensa no que te diz
o Senhor: (1) Tu não viverás de verdade se viveres somente do que alimenta teu
coração neste mundo! Alimenta-te, isto sim, da Palavra de Deus; vive nela, e
viverás! (2) Não deves endeusar bezerros de ouro, deuses fáceis e falsos!
Adorarás só e exclusivamente o Senhor teu Deus! A Ele te entregará, Nele
confiarás, no Seu santo Nome colocarás toda a tua esperança. (3) Nunca porás à
prova o teu Deus! Ele não se rebaixa a isto, não se submete às provas dos filhos
de Adão! Assim, temerás com amor o teu Deus! Ele é Santo, Ele é Único, Ele é
Deus!
=
Retome as palavras de Santo Agostinho e medite nelas...
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26/02/2012 |
Sobre o Nome de Deus
O Senhor Deus revelou Seu Nome a Moisés
do meio da sarça ardente. O próprio fato de revelar-Se escondendo-Se no meio do
fogo devorador já revela o caráter misterioso, indisponível de Deus. É
impressionante: ao mesmo tempo em que Se revela e no ato mesmo de revelar-Se Ele
Se esconde.
Quanto ao Nome que ele pronuncia como
revelação de Si próprio, é todo Ele um mistério verdadeiramente impressionante.
"Eu sou o que sou", Ele diz. Pensemos nas traduções que são propostas, além
desta: "Eu sou 'o que sou'!" ou "Eu sou o que serei!"... Em todas estas
variantes há mais um esconder-Se, misterioso e soberano, que um revelar-Se!
Pensemos um pouco:
"Eu sou o que sou" - Eu
sou! Por que queres saber o meu Nome? Sou o que sou para Mim, soberanamente. Sou
o que É, e basta! Sou! Não
recebi o ser de ninguém, não mudo, não cesso jamais de ser! Sou. Totalmente fiel
a Mim mesmo, imutável, pleno, perfeito, totalmente cheio de Mim mesmo,
totalmente Senhor de Mim mesmo, totalmente eterno e infinito no ser! Sou o que
sou e o Meu ser não pode ser apreendido por ti. Sou o que sou para Mim e tu não
saberás jamais o que sou, pois não podes penetrar no Meu mistério. Eu sou. E basta! Eu sou Eu e o Meu Eu não pode ser
apreendido e imaginado por ti.não Caibo no que imaginas, no que tu falas, no que
teus sentidos podem apreender, no que tu consegues raciocinar! Insisto: Eu sou e
como Eu não há nada, não há ninguém, não há termo de comparação! Eu sou. Tremendo! Vivo! Infinito! Inefável! Verdadeiro!
Eterno! Santo!
"Eu sou 'o que
sou'" - O que sou! Olho para Mim mesmo e sou um Abismo infinito,
inabarcável! Eu sou. Tudo procede de Mim, como de uma fonte ancestral, cujas
origens são a eternidade e as entranhas de um Mistério abissal. O que sou? O que
sou! Totalmente
único, incomparável, singular! Por isso não é possível dizer-te quem sou
com conceitos! Uma só coisa saberás realmente de Mim: que Eu sou e fora de Mim
nada pode ser, a não ser como livre, amoroso e soberano transbordamento do Meu
ser. Assim, podes chamar-Me simplesmente de "O que é". E quando te perguntarem o
que isto significa precisamente, deverás confessar humildemente tua ignorância!
Lembra-te: Eu te coneço, mas tu não podes conhecer-Me realmente, enquanto não
podes nem poderás nunca - nem na minha Glória - abarcar a Minha eternidade
infinita!
"Eu sou o que serei" -
Sou plenamente imutável, totalmente fiel a Mim mesmo. O que sou hoje serei por
toda a eternidade. Por isso mesmo, sou totalmente confiável, totalmente
inabalável, totalmente coerente Comigo mesmo. O que fui, Eu sou, o que Sou, Eu
serei e, no entanto, nem fui nem serei, porque não tenho passado nem futuro.
Simplesmente, Eu sou!
Mas "Eu sou o que sou" e "Eu sou o que
serei" também para ti. Em outras palavras: tu saberás de Mim somente o que Eu
for para ti, o que Eu a ti revelar de Mim. Não poderás saber verdadeiramente de
Mim de modo simplesmente frio, teórico, descomprometido, neutro. Não! Somente
saberás um pouco de Mim naquilo que experimentares que Eu sou e Eu serei para
ti!
Assim, o santo Nome do Senhor Deus pode
ser sintetizado na expressão "Eu sou"! Por isso mesmo, o Nome santíssimo
revelado na Sagrada Escritura, IHWH (deve-se ler: Senhor ou Adonai), não é o
nome de uma divindade, mas o único Nome com o qual Deus pode ser chamado. IHWH
ao que tudo indica deriva da raiz hawah, que evoca "ser". Poderíamos dizer,
então, que IHWH significa "o que é", o - perdoe-me o neologismo, mas não
encontro outra palavra - o "Sente", isto é, o que É e continuamente está
Sendo!
Mas, no diálogo do Senhor Deus com Moisés
há mais. Logo após revelar o Seu Nome, negando-Se a revelá-Lo, o Senhor diz: "Eu
sou o Deus de Abaão, o Deus de Isaac, o Deus de Jacó!" em outras palavras: esse
Deus que é tão Ele, que é absolutamente diverso de tudo e totalmente
incompreensível, revela-Se realmente a nós, é capaz de dar-Se, de estabelecer
reais relações conosco, de comprometer-Se e compadecer-Se de suas criaturas, de
interagir com elas! Quando o Senhor santo e bendito diz ser o "Deus de Abraão",
não só está declarando ser o Deus adorado por Abraão, mas também está afirmando
ser o Deus que quis "pertencer" a Abraão, quis ligar Seu Nome a seu servo
Abraão, pobre e ínfima criatura. Surpreendente: o Deus mais transcendente é
também Aquele capaz decentrar nas histórias humanas, de envolver-Se com os
filhos de Adão... E este é mais um motivo para admirarmo-nos, para reconhecer
quão pouco previsível é o Senhor na sua exuberância de ser e amar!
Por tudo isto, é necessário que os
crentes, estudados ou não, retomem o profundo respeito, o profundo pudor ao
falar de Deus e de quanto a Ele se relaciona! Uma das tristezas do nosso tempo é
a perda do sentido da santidade de Deus, mesmo entre os cristãos, mesmo entre
tantos dos seus ministros! O resultado é a deturpação, a caricatura de um deus à
nossa medida, um ídolo miserável, que não serve para nada, não nos salva, não
sacia o nosso coração!
Poder-se-ia perguntar: Deus não diminuiu
essa distância, essa "outridade", ao fazer-se homem, ao manifestar-Se
pessoalmente em Jesus? Este é um outro texto, um outro artigo... Mais para
frente trato disso...
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25/02/2012 |
V. Salvo por puro amor
Israel deverá saber que a libertação do Egito foi
essencialmente uma obra de amor – como você, cristão, foi libertado em Cristo da
treva da morte por puro e gratuito amor: “Quando Israel era um menino, eu o amei e do Egito
chamei meu filho” (Os11,1). “Ele feriu o Egito em seus primogênitos, porque o
seu amor é para sempre. E fez sair Israel do meio deles, porque o seu amor é
para sempre” (Sl 136,10s). Amor
surpreendente, tão apaixonado que fere os primogênitos do Egito! E, no entanto,
o Senhor ama a toda criatura! Um dos textos judeus da narrativa da
Páscoa diz que quando o Senhor afogou os egípcios, os anjos, ao verem os corpos
dos soldados de faraó boiando no Mar Vermelho, cantaram e bateram palmas. Então
o Senhor os repreendeu: "Como podeis vos alegrar quando minhas criaturas
perecem?" Mistério! Insisto: não se pode compreender o Deus santo; Ele não se
enquadra na nossa lógica!
A libertação do Seu
povo da servidão no Egito será a grande obra do Senhor em favor do seu
povo, a obra fundante da identidade de Israel. A partir de agora, o
Senhor apresentar-se-á sempre como o Deus libertador, o que está aí, aí
para salvar: “Eu sou o Senhor teu Deus, que te libertou do Egito, do antro
de escravidão. Não terás outros deuses além de mim” (Ex 20,2s). Sempre que
Israel precisar recordar a identidade do seu Deus e sua própria identidade mais
profunda, deverá recordar a saída do Egito, a Páscoa.
O Senhor
instituiu a celebração pascal como memorial perene do seu amor e fidelidade,
para que Israel possa sempre encontrar sua força e inspiração na celebração de
tudo quanto o Senhor fez em
seu favor. Na mentalidade judaica, o memorial é um rito no qual, pelas palavras,
gestos e símbolos da celebração, torna-se realmente presente e atuante o
acontecimento celebrado. Assim sendo, celebrando tal memorial, Israel deverá
sempre recordar o amor atuante do seu Deus, um Deus comprometido e que,
teimosamente, age na noite, nas noites da vida! Este recordar é estrutural na
tradição judeu-cristã. Nossa fé vive de memorial, do tornar realmente presente o
acontecimento libertador do passado... Esquecer é sinal de leviandade, de
superficialidade. Fazer memorial é tornar presente e atuante o que o Senhor fez
em nosso favor, encontrando aí inspiração e força para o futuro: “Este dia
será para vós uma festa memorável em honra do Senhor, que haveis de celebrar por
todas as gerações, como instituição perpétua” (Ex 12,14). “Quando o Senhor teu
Deus te introduzir na terra que jurou a teus pais, Abraão, Isaac e Jacó, dar a
ti, com cidades grandes e belas que não edificaste, casas cheias de toda espécie
de bens que não acumulaste, cisternas já escavadas que não cavaste, vinhas e
oliveiras que não plantaste; e quando comeres e te fartares, guarda-te de
esquecer o Senhor que te libertou do Egito, do antro de escravidão. Temerás o
Senhor teu Deus, a ele servirás e pelo seu nome jurarás. Não seguirás outros
deuses, dentre os deuses dos povos vizinhos, porque o Senhor teu Deus,
que mora no meio de ti, é um Deus ciumento. Não suceda que a cólera do Senhor
teu Deus, inflamando-se contra ti, venha a exterminar-te da face da terra.
Guardai com grande cuidado os preceitos do Senhor vosso Deus, os mandamentos e
as leis que vos dá. Faze o que é reto e bom aos olhos do Senhor para que sejas
feliz e possas entrar e tomar posse da boa terra, da qual o Senhor jurou a teus
pais que haveria de expulsar todos os inimigos, como ele mesmo disse. Quando
amanhã o filho te perguntar: ‘Que significam estes mandamentos, estas leis e
estes decretos que o Senhor nosso Deus nos prescreveu?’ então responderás ao
filho: ‘Nós éramos escravos do Faraó e o Senhor nos tirou do Egito com mão
poderosa. O Senhor fez à nossa vista grandes sinais e prodígios terríveis contra
o Egito, contra o Faraó e contra toda sua casa. Libertou-nos de lá para nos
conduzir à terra que, com juramento, prometera a nossos pais. O Senhor mandou
que cumpríssemos todas estas leis e temêssemos o Senhor nosso Deus, para que
fôssemos sempre felizes e nos conservasse vivos, como nos faz hoje. Seremos
justos, se guardarmos os seus mandamentos e os observarmos diante do Senhor
nosso Deus, como ele nos mandou’” (Dt 6,10-25).
Ora, otudo quanto o
Senhor fez por Israel era preparação para a nossa Páscoa em Cristo. Assim, raiz
e cume de todo memorial é a Eucaristia, na qual o Novo Israel, que é a Igreja,
celebra a Páscoa definitiva: com Cristo e em Cristo, saímos da morte do pecado,
atravessamos o Mar Vermelho das águas batismais e começamos a travessia no
deserto deste mundo para a Terra Prometida do céu. Porque Cristo passou da
condição de Servo que, por nosso amor, assumiu nesta vida, atravessando o Mar da
morte e entrando na Terra Prometida da Glória do Pai, nós também, por Ele e com
Ele, vamos fazendo nossa Páscoa na vida de cada dia e celebrando-a realmente em
cada Eucaristia.
Assim começa a
história de Israel com o seu Deus, um Deus que ele vai conhecendo à medida que o
experimenta na sua vida!
Para
pensar e rezar:
= Medite neste
textos: Ex 14 – 15; Sl 114(113A); Sl 30(29); Eclo 2
= O Senhor também te
libertou, fazendo-te passar nas águas do Batismo.
= Tu deves celebrar
dominicalmente esta libertação, participando do Sacrifício eucarístico, em que o
Cordeiro pascal torna perenemente presente a Sua oferta ao Pai por
nós!
= A salvação é dom,
é amor gratuito de Deus. É preciso abrir humildemente o coração para acolher tal
dom: não é direito; é graça!
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24/02/2012 |
IV. Um Deus que desconcerta
Retomemos o texto de Ex 15. É uma perícope
tremenda!
“Em seguida,
Moisés e Aarão apresentaram-se ao Faraó e lhe disseram: ‘Assim diz o Senhor Deus
de Israel: Deixa partir o meu povo, para que me celebre uma festa no deserto’.
Mas o Faraó respondeu: ‘E quem é o Senhor para que lhe deva obedecer, deixando
Israel ir? Não conheço o Senhor, nem deixarei Israel partir’. Eles disseram: ‘O
Deus dos hebreus marcou um encontro conosco. Deixa-nos ir a três dias de viagem
no deserto, para oferecermos sacrifícios ao Senhor nosso Deus. Do contrário, a
peste e a espada nos atingirão’. Mas o rei do Egito lhes disse: ‘Por que vós,
Moisés e Aarão, levais o povo a transcurar os trabalhos? Ide para vossas
tarefas!’ E o Faraó acrescentou: ‘Eles já são mais numerosos que a população
local, e vós quereis fazê-los interromper suas tarefas?’ Naquele mesmo dia o
Faraó ordenou aos inspetores do povo e aos capatazes, dizendo: ‘Não forneçais
mais palha a esta gente para fazer tijolos, como antes fazíeis. Que eles mesmos
busquem a palha. Mas exigi a mesma quantia de tijolos de costume, sem tirar
nada. São uns preguiçosos, e por isso reclamam: ‘Queremos ir oferecer
sacrifícios ao nosso Deus’. Carregai estes homens com mais trabalho, para que
estejam ocupados e não dêem ouvidos a palavras mentirosas’.
Os inspetores e
os capatazes foram, pois, dizer ao povo: ‘Assim diz o Faraó: Não vos darei mais
a palha. Devereis ir buscar a palha onde a puderdes encontrar. Em nada, porém,
será diminuída a vossa tarefa’. O povo dispersou-se por todo o Egito em busca de
palha. Mas os inspetores pressionavam-nos dizendo: ‘Terminai a tarefa marcada
para cada dia, como quando havia palha’. Castigaram os capatazes israelitas que
os inspetores do Faraó haviam nomeado, alegando: ‘Por que nem ontem, nem hoje,
completastes a quota costumeira de tijolos?’
Os capatazes
israelitas foram queixar-se com o Faraó, dizendo: ‘Como podes proceder assim com
teus servos? Não se fornece palha a teus servos, e nos mandam fazer tijolos. Nós
somos açoitados, mas o culpado é o teu povo’. O Faraó respondeu: ‘Sois mesmo uns
preguiçosos e por isso dizeis: ‘Queremos ir oferecer sacrifícios ao Senhor’. E
agora, ide trabalhar! Não vos será dada a palha, mas devereis produzir a mesma
quantia de tijolos’.
Os capatazes
israelitas se viram em má situação com a ordem de não diminuir em nada a quota
diária de tijolos. Encontraram-se com Moisés e Aarão, que os estavam esperando
na saída do palácio do Faraó, e lhes disseram: ‘Que o Senhor vos examine e
julgue: vós nos tornastes odiosos diante do Faraó e dos seus servidores e lhes
pusestes na mão a espada para nos matar’.
Então Moisés
voltou-se para o Senhor , dizendo: ‘Meu Senhor, por que maltratas este povo?
Para que foi que me enviaste? Desde que fui ter com o Faraó para lhe falar em
teu nome, ele maltrata o povo, e tu nada fazes para libertá-lo’” (Ex
5).
Recordemos que foi
contra a vontade do próprio Moisés que Deus o enviou ao faraó. Vale a pena
recordar em Ex 3 o penoso diálogo de Moisés com Deus. O Senhor força o pobre
homem; Moisés tenta escapar dando mil justificativas. E Deus termina por irar-se
com ele! Moisés, por fim, encurralado pelo Senhor, cede! E Deus previne que a
tarefa não será fácil: “Bem sei que o rei do Egito não vos deixará partir,
se não for obrigado por mão poderosa. Mas eu estenderei minha mão e castigarei o
Egito com toda sorte de prodígios que farei no meio deles. Depois disso, vos
mandará sair” (Ex 3,19-20). Pois bem, Moisés obedece e vai; arrisca a
própria vida a apresenta-se ao faraó. E o resultado é uma catástrofe: o rei do
Egito não somente não deixa o povo partir, como piora a situação, aumentando a
carga de trabalho e o peso da escravidão... É de se perguntar: Onde está Deus?
Por que age assim? Por que permite a dor e o sofrimento? Por que seus caminhos
nos são tão incompreensíveis?
E, pior ainda: os
próprios filhos de Israel ficam indignados contra Moisés e Aarão: “Que o
Senhor vos examine e julgue: vós nos tornastes odiosos diante do Faraó e dos
seus servidores e lhes pusestes na mão a espada para nos matar”. Imagine a
solidão, a angústia, o sentimento de frustração de Moisés! Ter-se-ia enganado?
Será que fora ilusão aquele chamado de Deus? Será que Deus é mesmo poderoso?
Será que é fiel e se pode realmente confiar nEle? Perguntas de Moisés...
Perguntas tão nossas em tantas circunstâncias da vida...
Moisés desabafa, com
palavras de cortar o coração: “Meu Senhor, por que maltratas este povo? Para
que foi que me enviaste? Desde que fui ter com o Faraó para lhe falar em teu
nome, ele maltrata o povo, e tu nada fazes para libertá-lo!”
Sobre estas palavras
vale a pena notar duas coisas: (1) Moisés não compreende as razões do Senhor;
sente-se decepcionado, quase que traído por Aquele que o obrigou a abraçar
missão tão difícil e tão sem chance de sucesso... E, no entanto, não desobedece,
não se revolta... (2) Moisés reza! Sua queixa não é murmuração, não é reclamar
de si para consigo, mas é um suspiro, um gemido, uma angústia derramada diante
de Deus! Isto deveríamos aprender: a nunca murmurar, nunca falar de nós para
nós, mas apresentar ao Senhor o nosso clamor! Rezar a alegria e a tristeza, a
dor e a esperança, rezar nos momentos de luz e de profunda escuridão... Rezar
sempre! Só assim perceberemos Deus em todas as situações de nossa vida, ainda
que não compreendamos o agir desse Deus Santo demais, Outro demais, Misterioso
demais! Como se compreende Deus? Calando o coração, dobrando o joelho, baixando
a cabeça, abandonando-se...
Para
refletir e rezar:
= Que missão o
Senhor me confiou neste mundo? Que apelos me faz?
= Tenho tido a
coragem da fé, saindo de mim e de meus planos para abraçar o plano do Senhor
para mim? Sei dizer como Santa Teresa de Jesus: “Vossa sou, para vós nasci. Que
quereis fazer de mim?”
= Nos momentos de
escuridão, de incerteza, de sentimento doloroso da ausência de Deus, como reajo:
rezo e espero, mais que o vigia pela aurora ou, ao invés, rebelo-me e penso:
“Deus não existe”?
= Sei abandonar-me
nas mãos do Senhor? Que limites, que condições tenho colocado para minha fé em
Deus? Lembremo-nos: Deus nos quer por inteiro, com uma confiança absoluta nEle!
Só esta atitude nos tira de nós mesmos e nos liberta! Pense nisto!
|
III. Salvo de modo maravilhoso
É
no mais profundo da miséria de Israel que Deus vai se revelar ao seu povo e este
irá aprender a conhecê-lo: “O Senhor disse a Moisés: “Eu vi a opressão de meu povo no Egito, ouvi os gritos
de aflição diante dos opressores e tomei conhecimento de seus sofrimentos.
Desci para libertá-los das mãos dos egípcios e fazê-los
subir desse país para uma terra boa e espaçosa, uma terra onde corre
leite e mel” (Ex 3,7s).
O Senhor um
Deus que liberta: não tolera a escravidão de seus fiéis: somente alguém livre
pode entrar em relação efetiva com este Deus... Por isso ele liberta: liberta
para a comunhão Consigo! Libertou Israel e nos liberta. Escravos dos senhores
deste mundo – sejam eles quais forem – jamais poderemos entrar numa verdadeira
comunhão com Deus!
Ele se revelará como
o Deus próximo, o Deus que desce, aquele que está aí para salvar: “Moisés
disse a Deus: ‘Mas, se eu for aos israelitas e lhes disser: ‘O Deus de nossos
pais enviou-me a vós’, e eles me perguntarem: ‘Qual é o seu nome?’ que lhes devo
responder? Deus disse a Moisés: ‘Eu sou aquele que sou. Assim responderás aos
israelitas: ‘Eu sou’ envia-me a vós’ Deus disse ainda a Moisés: ‘Assim dirás aos
israelitas: O Senhor, o Deus de vossos pais, o Deus de Abraão, Deus de Isaac e
Deus de Jacó, envia-me a vós. Este é o meu nome para sempre, e assim serei
lembrado de geração em geração” (Ex 3,13ss).
O nome que Deus dá a
si próprio, nesta perícope, é de sentido muito incerto. A palavra IHWH, ao que tudo indica, deriva do
verbo hebraico hawah (ser, estar presente, ser atuante), Assim,
apresentaria um sentido bastante complexo, que implicaria várias atitudes de
seus fiéis:
· Confiança
certa: Eu estou aqui convosco de tal modo que podeis contar comigo. Até
caminhando no vale da morte, podeis confiar em mim, que estou aqui! Até quando
fugis de mim, duvidando, gritando ou emudecidos, podeis saber: Eu estou aqui
convosco, ainda que vós não me reconhecêsseis.
·
Disponibilidade: Eu estou aqui convosco, de tal modo que
tendes que contar comigo, quando e como quero - talvez até em momento e de modo
que vos incomode. Pode ser que haja situações em vossos caminhos nas quais não
queríeis lembrar-vos que eu estou aqui convosco ou nas quais preferiríeis outro
deus!
·
Exclusividade: Eu estou aqui convosco, de tal modo que
deveis contar unicamente comigo como aquele que pode estar próximo de vós e vos
salvar. Contar comigo exige de vós a decisão clara de levar a sério que eu sou o
único para vós: só em mim podeis e deveis encontrar o verdadeiro amor, a
verdadeira bondade e a verdadeira vida!
· Ilimitação:
Eu estou aqui convosco de tal modo que minha proximidade não tem limites de
lugar, tempo ou instituição. Quando estou aqui convosco, posso estar também com
vossos inimigos. Minha proximidade transcende a terra, sobre a qual viveis e da
qual, muitas vezes, vos fazeis o centro. Sequer a morte é limite para mim e não
pode limitar minha vitalidade.
Uma coisa é certa: o
Deus de Israel aparece numa total liberdade e gratuidade: um Deus nômade,
indomável! Israel jamais haverá de penetrar até o fundo no mistério de sua
realidade, de modo que o seu Nome nunca poderá ser completamente compreendido,
será sempre “misterioso”: é o Deus escondido que, mesmo pronunciando-se, é
Silêncio! Ele é o Deus existente, em contraste com os ídolos, que são nada! Deus
surpreendente, este: tão transcendente e tão próximo: ver-me-eis em meu agir!
Por isso mesmo, não se pode brincar com o Seu santo Nome, nem deveríamos
pronunciá-lo à toa! Seria bom seguir o costume dos judeus, de Jesus e dos
apóstolos: onde aparece o Nome (IWHW), lê-se “Senhor”! Por isso mesmo a Igreja
proíbe que nas orações e cânticos litúrgicos se utilize o Nome revelado no
Sinai!
No entanto, esta
presença de Deus é sempre desconcertante: Israel terá de ver sua servidão
tornar-se mais pesada e sua dor aumentar... Diante do silêncio de Deus. A
decepção de Moisés retrata o sentimento do povo: “Em seguida, Moisés e Aarão
apresentaram-se ao Faraó e lhe disseram: ‘Assim diz o Senhor Deus de Israel:
Deixa partir o meu povo, para que me celebre uma festa no deserto’. Mas o Faraó
respondeu: ‘E quem é o Senhor para que lhe deva obedecer, deixando Israel ir?
Não conheço o Senhor, nem deixarei Israel partir’. Eles disseram: ‘O Deus dos
hebreus marcou um encontro conosco. Deixa-nos ir a três dias de viagem no
deserto, para oferecermos sacrifícios ao Senhor nosso Deus. Do contrário, a
peste e a espada nos atingirão’. Mas o rei do Egito lhes disse: ‘Por que vós,
Moisés e Aarão, levais o povo a transcurar os trabalhos? Ide para vossas
tarefas!’ E o Faraó acrescentou: ‘Eles já são mais numerosos que a população
local, e vós quereis fazê-los interromper suas tarefas?’ Naquele mesmo dia o
Faraó ordenou aos inspetores do povo e aos capatazes, dizendo: ‘Não forneçais
mais palha a esta gente para fazer tijolos, como antes fazíeis. Que eles mesmos
busquem a palha. Mas exigi a mesma quantia de tijolos de costume, sem tirar
nada. São uns preguiçosos, e por isso reclamam: ‘Queremos ir oferecer
sacrifícios ao nosso Deus’. Carregai estes homens com mais trabalho, para que
estejam ocupados e não dêem ouvidos a palavras
mentirosas’.
Os inspetores e
os capatazes foram, pois, dizer ao povo: ‘Assim diz o Faraó: Não vos darei mais
a palha. Devereis ir buscar a palha onde a puderdes encontrar. Em nada, porém,
será diminuída a vossa tarefa’. O povo dispersou-se por todo o Egito em busca de
palha. Mas os inspetores pressionavam-nos dizendo: ‘Terminai a tarefa marcada
para cada dia, como quando havia palha’. Castigaram os capatazes israelitas que
os inspetores do Faraó haviam nomeado, alegando: ‘Por que nem ontem, nem hoje,
completastes a quota costumeira de tijolos?’
Os capatazes
israelitas foram queixar-se com o Faraó, dizendo: ‘Como podes proceder assim com
teus servos? Não se fornece palha a teus servos, e nos mandam fazer tijolos. Nós
somos açoitados, mas o culpado é o teu povo’. O Faraó respondeu: ‘Sois mesmo uns
preguiçosos e por isso dizeis: ‘Queremos ir oferecer sacrifícios ao Senhor’. E
agora, ide trabalhar! Não vos será dada a palha, mas devereis produzir a mesma
quantia de tijolos’.
Os capatazes
israelitas se viram em má situação com a ordem de não diminuir em nada a quota
diária de tijolos. Encontraram-se com Moisés e Aarão, que os estavam esperando
na saída do palácio do Faraó, e lhes disseram: ‘Que o Senhor vos examine e
julgue: vós nos tornastes odiosos diante do Faraó e dos seus servidores e lhes
pusestes na mão a espada para nos matar’.
Então Moisés
voltou-se para o Senhor , dizendo: ‘Meu Senhor, por que maltratas este povo?
Para que foi que me enviaste? Desde que fui ter com o Faraó para lhe falar em
teu nome, ele maltrata o povo, e tu nada fazes para libertá-lo’” (Ex
5).
Deus é assim: age na
noite, pois Sua luz nos cega, nos deixa em trevas, pois não podemos compreender
totalmente o Seu modo de agir! E aí, só nos resta duas saídas: ou renegá-Lo,
dizendo “Tudo é absurdo sem nexo; Deus não existe!” ou abandonar-se e dizer:
“Creio em Ti, que me ultrapassas! Abandonando-me em Ti, em Ti esperando contra
toda esperança, eu vejo a luz!” São João da Cruz afirma que, nesta vida, Deus,
para nós, é nada mais nada menos que noite escura! O nosso Deus sabe agir nas
noites da vida! Segundo um antigo poema hebraico, chamado “Das Quatro Noites”,
o Senhor agiu em quatro
noites memoráveis, evocadas pela noite da Páscoa. Nessas noites, Deus cria ou
criará:
· A primeira: Deus
tirou do caos o universo, quando manifestou-se sobre o mundo para criá-lo. As
trevas estendiam-se sobre a superfície do abismo e a Palavra do Senhor era a luz que
iluminava.
· A segunda: Isaac foi
salvo da treva da morte e viu a luz da vida.
· A terceira: Israel foi
salvo da escura morte da escravidão no meio da noite e o Senhor disse: “Meu filho primogênito é
Israel” – e ele viu a luz de uma nova vida.
· A quarta: o mundo será
libertado das trevas do mal e da morte e todas as gerações de Israel serão
salvas. Nesta noite, o Messias virá e luz brilhará para sempre!
Um Deus que salva na
noite, o nosso Deus! Assim, na noite da fé, o povo terá que esperar pelas
pragas, pelo coração duro de faraó, até que o Senhor o liberte! Terá ainda que
passar pelo susto às margens do Mar Vermelho. Finalmente, Israel verá o quanto
o Senhor o ama e nele
acreditará: “Naquele dia o Senhor livrou Israel da mão dos egípcios, e
Israel viu os egípcios mortos nas praias do mar. Israel viu a mão poderosa do
Senhor agir contra o Egito. O povo temeu ao Senhor, e teve fé no Senhor e em
Moisés seu servo” (Ex 14,30s).
Para
pensar e rezar:
= “Assim diz o
Senhor Deus de Israel: Deixa partir o meu povo, para que me celebre uma festa no
deserto!” – Pense: Só quem é livre pode prestar culto ao Senhor! É preciso
partir: partir de si mesmo, partir de seu pecado, partir de quanto o escraviza!
E partir não para se fazer o que quer, para se viver do seu modo, mas para fazer
da vida um culto a Deus! Eis a verdadeira liberdade! Pense nisto!
= Quem são seus
senhores: o Deus vivo ou tantos vícios, apegos, pecados e opções
tortas?
= O Nome de Deus é
Santo, é Misterioso! Isto significa que não poderemos nunca compreender Deus
totalmente: Ele é o Outro, o Misterioso, o Infinito, o Santo! Respeite
profundamente a Deus e tudo quanto tenha relação com Ele! Ele não é seu
compadre, não é o cara legal! Ele é Deus! Você é somente pó que o vento leva!
Ele está no céu; você está na terra!
= Reflita bem: Deus,
para nós, nesta vida, é nem mais nem menos que noite escura! Sua luz é tanta que
nos cega! “De noite, mesmo de noite, iremos buscar a Fonte! Só nossa sede
ilumina!”
= Um dia, a luz do
Messias, Jesus nosso Senhor, iluminará este mundo. Então a história entrará na
glória e o tempo na eternidade! E já não haverá noite porque o próprio Deus nos
iluminará e o Cordeiro será nossa lâmpada! Até lá, caminhamos pela fé; não pela
visão...
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22/02/2012 |
II. Provados pela vida miúda de cada dia
Amado por Deus, o povo de Israel foi engendrado de
modo simples, por patriarcas nômades, que não possuíam sequer um lugar para
viver, que viviam no limite da subsistência e eram estrangeiros na terra; homens
que viviam da esperança em Deus e que enchiam a pobreza do presente com a fé na
fidelidade dAquele que prometera um futuro de bênção.
Eis como viviam:
nômades, estrangeiros na terra: “Abrão atravessou o país até o santuário de
Siquém, até o carvalho de Moré. Naquele tempo estavam os cananeus no país. O
Senhor apareceu a Abrão e lhe disse: ‘À tua descendência darei esta terra’.
Abrão ergueu ali um altar ao Senhor, que lhe tinha aparecido. De lá se deslocou
em direção ao monte que está ao leste de Betel, e ali armou as tendas, tendo
Betel ao ocidente e Hai ao oriente. Construiu ali um altar ao Senhor e invocou o
nome do Senhor. Depois, de acampamento em acampamento, Abrão foi até o Negueb”
(Gn 12,6-9).
Israel seria
engendrado nas crises das noites da fé e do misterioso modo de agir de um Deus
vivo, que nos desconcerta porque é grande demais e não obedece aos nossos
tempos, modos e metas, um Deus indisponível: “Depois destes acontecimentos,
o Senhor falou a Abrão numa visão, dizendo: ‘Não temas, Abrão! Eu sou o escudo
que te protege; tua recompensa será muito grande’. Abrão respondeu: ‘Senhor Deus
, que me haverás de dar, se eu devo deixar este mundo sem filhos e o herdeiro de
minha casa será Eliezer de Damasco?’ E acrescentou: ‘Como não me deste
descendência, meu criado é que será o herdeiro’. Então lhe foi dirigida a
palavra do Senhor: ‘Não será esse o herdeiro mas um de teus descendentes é que
será o herdeiro’. E conduzindo-o para fora, lhe disse: ‘Olha para o céu e conta
as estrelas, se fores capaz!’ E acrescentou: ‘Assim será tua descendência’.
Abrão teve fé no Senhor que considerou isto como justiça. E lhe disse: ‘Eu sou o
Senhor que te fez sair de Ur dos Caldeus, para te dar em possessão esta terra’.
Abrão lhe perguntou: ‘Senhor Deus, como poderei saber que vou possuí-la?’ E o
Senhor lhe disse: ‘Traze-me uma vaca de três anos, uma cabra de três anos e um
carneiro de três anos, além de uma rola e uma pombinha’. Abrão trouxe tudo e
dividiu os animais pelo meio, mas não as aves, colocando as respectivas partes
uma frente à outra. Aves de rapina se precipitaram sobre os cadáveres mas Abrão
as enxotou. Quando o sol já ia se pondo, caiu um sono profundo sobre Abrão e ele
foi tomado de grande e misterioso terror. E o Senhor disse a Abrão: ‘Fica
sabendo que tua descendência viverá como estrangeira num país que não é seu.
Serão escravizados e oprimidos durante 400 anos. Mas eu julgarei o povo que os
escravizará e depois sairão dali com grandes riquezas. Quanto a ti, irás
reunir-te em paz com teus pais e serás sepultado depois de uma feliz velhice. Na
quarta geração voltarão para cá, pois a culpa dos amorreus ainda não se
completou’. Quando o sol se pôs e escureceu, apareceu um fogareiro fumegante e
uma tocha de fogo, que passaram por entre as partes dos animais esquartejados.
Naquele dia o Senhor fez aliança com Abrão, dizendo: ‘A teus descendentes dou
esta terra’” (Gn 15). Assim foi pensado e concebido Israel: de um homem já
marcado pela morte, de uma mulher cujo seio era estéril, sem vida.
Aquele que faz
brotar a vida no deserto iria fazer surgir deste casal um povo, o seu povo,
numeroso como as estrelas do céu. A existência de Israel é, por si mesma, um
grito: para Deus nada é impossível! Ele dá a graça a quem quer! E Israel terá de
aprender, como nós também, a contemplar sua existência à luz da fé e, aí,
discernir as pegadas amorosas de Deus.
É precisamente isto
que a fé faz: transformar aquilo que aparentemente seria um absurdo ou uma
banalidade num sinal velado de amor do Senhor. Se soubéssemos contemplar... O
Autor da Epístola aos Hebreus recorda com emoção esta origem sofrida e incerta:
“Pela fé Abraão, ao ser chamado, obedeceu e saiu para a terra que havia de
receber por herança, mas sem saber para onde ia. Pela fé morou na terra da
promissão como em terra estrangeira, acomodando-se em tendas, do mesmo modo que
Isaac e Jacó, co-herdeiros da mesma promessa. Porque ele esperava uma cidade
fundada sobre alicerces, cujo arquiteto e construtor seria Deus. Foi na fé que
morreram todos sem receber as promessas mas vendo-as de longe e saudando,
confessando-se peregrinos e hóspedes na terra. Ao dizê-lo, dão a entender que
buscam a pátria. Pois, caso se lembrassem da pátria de onde saíram teriam tido
ocasião de retornar. Mas desejam outra melhor, isto é, a pátria celeste. Por
isso Deus não se envergonha de se chamar seu Deus. De fato lhes tinha preparado
uma cidade” (Hb 11,8ss.13-16).
Finalmente, este
povo amado, prometido a Abraão, Isaac Jacó será gerado na dura prova da
escravidão do Egito: “Surgiu um novo rei no Egito, que não tinha conhecido
José, e disse ao povo: ‘Olhai como a população israelita está se tornando mais
numerosa e mais forte do que nós. Vamos tomar precauções para impedir que
continuem crescendo e, em caso de guerra, se unam também eles a nossos inimigos,
e acabem saindo do país’. Estabeleceram, assim, capatazes para que os oprimissem
com trabalhos forçados na construção das cidades de depósito do Faraó, Pitom e
Ramsés. Os egípcios reduziram os israelitas a uma dura escravidão.
Amarguraram-lhes a vida no pesado trabalho do preparo do barro e de tijolos, com
toda sorte de serviços no campo, enfim, todos os trabalhos que eram forçados a
fazer” (Ex 1,8-11.13s).
Se o Senhor é um Deus que ama, também se cala
detrás da densa nuvem dos absurdos da vida e do pranto sofrido dos pobres: o
povo geme debaixo do trabalho forçado, as criancinhas são assassinadas, a mãe de
Moisés é obrigada a jogar seu filhinho no Nilo... Este silêncio de Deus é causa
de escândalo, sobretudo hoje - no mundo da ciência, do debate, das mil
respostas, dos questionamentos, do imediato e do mensurável! Diante deste
Silêncio podemos ter somente três atitudes: o escândalo descrente, o cinismo sem
esperança e a fé que ilumina as trevas e liberta, dando-nos força para a luta!
Como não recordar as palavras de Kierkegaard? “Não permitas que esqueçamos: Tu
falas, mesmo quando estás calado. Dá-nos esta fé, quando estivermos à espera da
tua vinda! Tu calas por amor e por amor falas. Assim é no silêncio, assim é na
palavra: tu és sempre o mesmo Pai, o mesmo coração paterno e nos guias com a tua
voz e nos ensinas com o teu silêncio!”
Assim, por trás
deste silêncio, o Senhor Deus vela para gerar o seu povo: “Passado muito
tempo, morreu o rei do Egito. Os israelitas continuavam gemendo e clamando sob
dura escravidão. E os gritos de socorro devidos à escravidão subiram até Deus.
Deus ouviu-lhes os lamentos e lembrou-se da aliança com Abraão, Isaac e Jacó.
Deus olhou para os israelitas e tomou conhecimento” (Ex
3,23-25).
Israel – e eu, que
sou Israel! - poderia rezar como o Salmista: “Tu vês a fadiga e o
sofrimento, e observas para tomá-los na mão: a ti se abandona o pobre, para o
órfão tu és um socorro” (Sl 9 [10])! “Do meu exílio registrastes cada passo, em
vosso odre recolhestes cada lágrima, e anotastes tudo isto em vosso livro” (Sl
56[55]).
É assim, no silêncio
dos acontecimentos, na aparente insignificância da vida, que o Deus de Israel
age! Para quem não crê, há somente a escuridão de um silêncio absurdo, da falta
de sentido que oprime e nos destrói... Mas para quem crê, a escuridão torna-se
luminosa, como a noite da Páscoa: “Só tu, noite feliz, soubeste a hora em que o
Cristo da morte ressurgia; e é por isso de ti que foi escrito: a noite será luz
para o meu dia!” Ou, com diz o responsório das laudes dos domingos do Advento:
“Mesmo as trevas para vós não são escuras, vós sois a luz do mundo,
aleluia!”
Para pensar e
rezar:
= O Senhor não garante aos seus facilidades nem
riquezas. Quem caminha com ele deve viver de fé e caminhar de esperança em
esperança. Nossa riqueza é o Senhor, nossa certeza é o Senhor, nossa recompensa
é o Senhor! Quem caminha assim é livre, é sereno e não perde o rumo na
existência...
= Pense: onde procuro minhas certezas? Onde
busco minhas seguranças? O Senhor deveria ser minha Rocha!
= Nas nossas noites o Senhor está presente. Se o
soubermos reconhecer, escutá-lo, veremos que Ele nos sustenta e nos leva nos
braços, ainda que não compreendamos como...
= Deus pode fazer brotar um jardim no deserto da
minha vida e da vida do mundo. Do que é morte e esterilidade, Deus pode fazer
brotar a vida! “Por que tenho medo? Nada é impossível para Ti!”
= Os modos, medidas e tempos de Deus não são os
nossos! É preciso que nos convertamos ao Senhor, confiando nele com toda a nossa
força e entendimento!
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As cinzas deste Quarta-feira
Hoje a Igreja, Povo de Deus do Novo Testamento,
inicia seu caminho para a maior de todas as festas cristãs, a Santa Páscoa. O
rito das cinzas marca o início deste caminho.
Qual o seu significado?
Recebermos as cinzas numa Missa penitencial,
cujas leituras nos recordam que somos pecadores e necessitamos da paciência
misericordiosa e do perdão do Senhor; as orações da sagrada Liturgia de hoje
suplicam ao Senhor que acolha nosso jejum e abstinência como gesto de boa
vontade e humilde reconhecimento de nossa fraqueza.
Assim, as cinzas têm um caráter penitencial.
Recebemo-las com os seguintes sentimentos:
(1) Reconhecemos que, apesar de cristãos
renovados em Cristo pelo Batismo, temos em nós ainda a experiência do pecado,
das infidelidades grandes e pequenas do dia-a-dia. Reconhecemos que somos
convertidos e necessitados de contínua conversão. Reconhecemos também que temos
nossos vícios, isto é, nossas más tendências que precisam ser continuamente
combatidas.
(2) Por isso mesmo, recebemos as cinzas, que na
Escritura têm o sentido de humilhação, dor, reconhecimento da própria miséria,
luto. Com isto queremos dizer que reconhecemos nosso pecado e desejamos entrar
no caminho quaresmal de combate espiritual, que nos conduzirá a uma renovada
vivência do nosso compromisso de batizados. Utilizando as armas do combate
espiritual, a oração, a penitência e a esmola, poderemos abrir o coração para o
Pai, como Jesus, cheio do Espírito Santo. Então, celebraremos na verdade a Santa
Páscoa e renovaremos na sagrada Vigília Pascal as promessas do nosso
Batismo.
Portanto, com um espírito contrito, humilhado e
cheio de confiança no Senhor, recebamos as cinzas, lembrando-nos das duas
exortações que a Igreja faz: “Lembra-te que és pó e ao pó hás de tornar!” Ou
seja: a vida não é tua; tu vieste do pó, de lá foste retirado por Deus. Tu
deverás viver diante de Deus e um dia a Ele prestarás conta da tua vida! Vive na
amizade obediente para com o Senhor teu Deus para que tua vida não termine no
pó, no vazio do nada! E a segunda exortação: “Converte-vos e crede no
Evangelho!” Em outras palavras: muda de vida! Crê de verdade nesta Boa Notícia:
em Jesus, Deus tira-te do pó para te dar a glória de uma vida nova neste mundo e
por toda a eternidade!
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I - Um povo desde sempre amado
Na sua história, Israel pode repetir as palavras do
salmo 138: “Senhor, Tu plasmaste meus rins,
teceste-me no seio de minha mãe. Graças Te dou, porque fui feito tão grande
maravilha. Prodigiosas são Tuas obras; sim, eu bem o reconheço. Meus ossos não
te eram encobertos, quando fui formado ocultamente e tecido nas profundezas da
terra. Ainda embrião, Teus olhos já me viam; foram registrados em Teu livro
todos os dias prefixados, antes que um só deles existisse. Mas, a mim, que
difíceis são Teus projetos, Deus meu, como é grande sua soma! Pensava eu em
contá-los, mas eram mais numerosos que a areia! E se termino, ainda estou
Contigo!”
O salmo faz-nos
pensar no mistério da existência, que é sempre livre, aberta e, no entanto,
conhecida e “pré-fixada” por Deus, de modo que podemos dizer: “Senhor, tomaste
nas Tuas mãos cada momento de minha vida!”
Como cada um de nós,
antes de existir, este povo foi amado, plasmado e escolhido de modo misterioso,
no silêncio perturbador do cotidiano e na provação das demoras de Deus, já nos
tempos do pai Abraão.
Ninguém vem ao mundo
por acaso, sem um propósito: cada pessoa é um sonho carinhoso de Deus, é um
pensamento de Deus que não se repete jamais. Assim foi com Israel: desde os seus
primórdios, antes de ser gerado, este povo foi pensado pelo Senhor com uma
vocação que é também uma missão: “O Senhor disse a Abrão: ‘Sai de tua terra,
de tua parentela, da casa de teu pai e vai para a terra que te mostrarei. Farei
de ti um grande povo e te abençoarei, engrandecendo teu nome, de modo que se
torne uma bênção. Abençoarei os que te abençoarem, e amaldiçoarei os que te
amaldiçoarem. Com teu nome serão abençoadas todas as famílias da terra’” (Gn
12,1-3).
Pense,
rezando estes dois textos acima:
= Também eu fui
amado eternamente pelo Senhor. Seu amor me chamou à existência, como chamou
Israel! Obrigado, Senhor, pela graça imensa de viver... Imenso dom do Teu amor
infinito!
= Minha existência é
um mistério, porque brota do próprio Deus, que é Mistério! Quem sou eu? Por que
sou assim? Por que minha história tem sido esta? Por que nasci nesta época,
nesta situação, com estas características? Mistério... Diante do Mistério,
silêncio, contemplação, admiração, gratidão!
= Não venho de mim
mesmo, mas de um Outro. Deveria viver minha vida diante Dele, na sua presença!
Aí sim, minha vida terá verdadeiro sentido!
= Não nasci para
nada; nasci com um propósito! O Senhor me criou para Ele, para deixar-me amar
por Ele, viver a vida com Ele, amando-O e Dele fazendo o chão, a rocha da minha
vida! Vive de verdade quem vive na verdade da existência. E a nossa Verdade é
Deus somente!
= Que sentido estou
dando à minha vida?
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Introduzindo o nosso retiro
A experiência de
Israel com o seu Deus é a nossa experiência. É necessário, portanto, retomar
sempre a história de nossos antepassados na fé, como quem retoma um álbum de
família para aí, aprender de onde viemos, qual nossa história com o nosso Deus
e, sobretudo, qual o seu modo de agir... Pio XI afirmava que, espiritualmente,
somos todos semitas. Assim, Israel é cada um de nós; contemplando sua história,
é a nossa própria vida que contemplamos: “Esses fatos aconteceram para nos
servir de exemplo, a fim de que não cobicemos coisas más, como eles cobiçaram.
Não vos torneis idólatras como alguns dentre eles, segundo está escrito: “O povo
sentou-se para comer e beber; depois levantaram-se para se divertir”. Nem nos
entreguemos à fornicação, como alguns deles se entregaram (...), nem tentemos o
Senhor, como alguns deles o tentaram, de modo a morrer pelas serpentes. Não
murmureis, como alguns deles murmuraram, de modo a perecerem... Estas coisas
lhes aconteceram para servir de exemplo e foram escritas para a nossa instrução,
nós que fomos atingidos pelo fim dos tempos”... (1Cor 10,6-11).
Nossa meditação consistirá em acompanhar nossa
história na história de Israel e, com as Escrituras nas mãos, redescobrir o que
o Senhor espera de nós e tomar consciência do modo como estamos respondendo ao
chamado Senhor em nossa existência. O Senhor não muda nunca o seu proceder: ele
é o Deus fiel a si mesmo e a nós. Como tratou Israel, nos trata a nós! Olhando
para Israel, contemplemo-nos e descobriremos que é para nós mesmos, para nossa
história pessoal e eclesial que estaremos olhando.
Recordemo-nos também que o Antigo Testamento
coloca-nos em contato com as experiências de um povo conduzido e plasmado pelo
Espírito do Ressuscitado: “Ele, que falou pelos profetas”, fala pela história de
Israel: “Esta salvação tem sido objeto das investigações e meditações dos
profetas, que proferiram oráculos sobre a graça que vos era destinada.
Perscrutaram a época e as circunstâncias indicadas pelo Espírito de Cristo, que
estava neles, profetizando os sofrimentos do Cristo e as glórias posteriores.
Foi-lhes revelado que faziam, não para si mesmos, mas para vós estas revelações,
que agora vos têm sido anunciadas por quem vos pregou o Evangelho da parte do
Espírito Santo enviado do céu. Revelações estas que os próprios anjos desejam
contemplar” (1Pd 1,10-12).
Enfim, a vantagem de um retiro com a Escritura é que
na escuta da Palavra o Senhor falará como bem lhe convier na força daquela
Palavra que é viva e eficaz.
Escrito por Dom Henrique |
sábado, 3 de março de 2012
Da Constituição pastoral Gaudium et Spes sobre a Igreja no mundo de hoje, do Concílio Vaticano II:
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