sexta-feira, 13 de abril de 2012

Complicações Pós-Aborto Provocado: Fatores Associados



INTRODUÇÃO
O aborto provocado expõe a mulher a riscos
e complicações severas. Tais riscos variam
consideravelmente, de acordo com as circunstâncias
nas quais é feito o aborto. Ao mesmo
tempo, as pesquisas médicas mostram que,
quando realizado em boas condições, o risco de
complicações do aborto torna-se muito pequeno
(Tietze & Henshaw, 1986). Do contrário, se
realizado na clandestinidade, chega a representar
um grande perigo (Barroso & Cunha, 1980).
As complicações do aborto clandestino incluem
perfuração do útero, retenção de restos
de placenta, seguida de infecção, peritonite,
tétano, e septicemia. As seqüelas ginecológicas
incluem a esterilidade e também inflamações
das trompas e sinéquias uterinas. O risco e a
gravidade das complicações crescem com o
avanço da gestação (Barroso & Cunha, 1980;
Tietze & Henshaw, 1986).
Tietze & Henshaw (1986) afirmaram que a
incidência das complicações do aborto está
relacionada com a forma como ele é realizado.
Entretanto, existe pouca informação concreta
que mostre esta relação, exceto a experiência
internacional que aponta a redução das complicações
quando o aborto é legalizado, ou o
aumento das mesmas, quando torna-se ilegal.
As complicações resultantes de abortos malfeitos
podem levar à morte (Verardo, 1987),
tanto quanto podem afetar as subseqüentes
gestações, aumentando o risco de prematuridade,
gravidez ectópica, abortamento espontâneo,
e baixo peso ao nascer (Schor, 1991). O controle
de tais complicações constitui um problema
sério, principalmente para as mulheres residentes
em comunidades pobres, com poucos serviços
médicos disponíveis (Ladipo, 1987).
No Brasil, apesar do muito que se fala do
assunto, não se encontram evidências, na literatura
nacional, que confirmem a relação entre
complicações do aborto ilegal e as condições de
sua prática. Os estudos brasileiros que fazem
referência às complicações apresentam informações
obtidas de mulheres hospitalizadas por
abortamento provocado. Conseqüentemente,
descrevem as características de mulheres com
complicações que não podem ser comparadas
com aquelas que não foram hospitalizadas. Isto
nos motivou a analisar, em um grupo de mulheres
que declararam ter feito aborto, as variáveis
associadas às complicações, dentro de uma
pesquisa mais ampla sobre a experiência com
aborto entre alunas e funcionárias de uma
universidade.
MATERIAL E MÉTODO
Este trabalho é uma análise secundária dos
dados obtidos através de uma pesquisa desenvolvida
em 1990 numa universidade brasileira.
A população alvo dessa pesquisa esteve constituída
de todas as funcionárias e alunas da
graduação. As informações foram colhidas
através de um questionário pré-testado com
funcionárias e alunas de uma das faculdades.
Detalhes da metodologia deste estudo já foram
publicados previamente (Hardy et al., 1991).
À medida que os questionários respondidos
foram sendo devolvidos, estes eram revisados,
checando-se a sua consistência. As respostas
foram digitadas duas vezes, por pessoas diferentes,
utilizando-se o módulo de entrada de dados
do SPSS PC-DE. Procedeu-se também à correção
das inconsistências e dos erros lógicos.
Foram recebidos 937 questionários respondidos
por alunas e 1987 respondidos por funcionárias,
o que correspondeu a 42% e 27% de
respostas, respectivamente. Oitenta e duas
alunas e 264 funcionárias tinham feito pelo
menos um aborto. Este trabalho analisa algumas
características do último aborto provocado feito
por cada uma destas 346 mulheres, das quais 65
(18,8%) declararam sofrer complicações pós-aborto.
Praticamente a metade destas últimas
ficou internada pelo menos um dia, enquanto
27% ficaram internadas durante três dias ou
mais. Quase todas (88%) tomaram algum
remédio, a metade teve que fazer curetagem, e
14% acabaram fazendo uma cirurgia. Foi estudada
a associação entre ocorrência de complicações
e idade da mulher, bem como as circunstâncias
e características da realização do
aborto. Os dados foram analisados utilizando-se
o Statistical Package for Social Science — PC
(SPSS-PC) e o Statistical Analysis System
(SAS). Para estudar a significação estatística
das diferenças observadas, foi utilizado o teste
de qui-quadrado para tabelas de contingência.
Para controlar pela relação que as variáveis
independentes têm entre si, utilizou-se a técnica
de regressão logística de Cox (1970). Nas
tabelas são apresentados somente os valores de
p <0,05.
RESULTADOS
As mulheres abaixo de 20 anos, por ocasião
do aborto, tiveram a mais alta porcentagem de
complicações, chegando a ser o dobro daquelas
com 30 ou mais anos (Tabela 1). A porcentagem
de complicações aumentou significativamente
com o tempo de gestação por ocasião
do aborto, sendo mais de duas vezes superior
quando realizado aos três meses ou mais, em
comparação com o primeiro mês (Tabela 2).
Com relação ao local onde foi feito o aborto,
houve significativamente menos complicações
entre as mulheres que o fizeram num hospital,
clínica ou consultório, comparadas com as que
abortaram na própria casa ou na casa de outra
pessoa (Tabela 3).
Foi significativamente maior a porcentagem
de mulheres que tiveram complicações entre as
que fizeram o aborto com sonda ou agulha,
comparadas às que utilizaram outros métodos:
curetagem, aspiração ou remédios (Tabela 4).
Também foi estudada a freqüência de complicações
segundo a qualificação da pessoa que
fez o aborto. As complicações foram cinco
vezes menos freqüentes quando o aborto foi
feito por médico, em comparação com os nãoprofissionais,
e três vezes menos freqüente
quando feito por enfermeiras ou parteiras
(Tabela 5).
A análise por regressão logística revelou que,
quando cada variável independente foi controlada
por todas as outras, apenas a realização do
aborto fora do hospital ou clínica revelou-se
estatisticamente associada à complicação do
aborto (Tabela 6).
DISCUSSÃO
Os resultados confirmaram o esperado. As
mulheres que tiveram o aborto realizado mais
precocemente, por médico, em clínica ou hospital,
e praticado por métodos mais modernos
apresentaram menos complicações. Ao estudar
a associação entre idade e problemas de saúde
pós-aborto, as mulheres mais jovens não foram
diferentes das outras com relação à freqüência
das complicações. Entretanto, este grupo esteve
representado principalmente por alunas que,
naturalmente, possuem maior nível de educação
e geralmente mais recursos econômicos. A
perda da associação entre complicações de
aborto com idade gestacional, com quem o fez
e o modo como foi feito, ao se fazer a regressão
logística, deve ser o resultado da estreita
associação entre estas variáveis independentes
e o local em que o aborto foi praticado. Como
esta última variável era a que apresentava maior
correlação com complicações, foi a que permaneceu
ao fim da regressão logística.
A população de mulheres que provocou
aborto, estudada no presente trabalho, não é
representativa das mulheres que recorrem ao
aborto provocado na cidade onde foi realizada
a pesquisa, nem das mulheres brasileiras. Um
desvio evidente foi a menor representação de
mulheres com menos escolaridade e de baixo
nível sócio-econômico dentro do grupo que
respondeu ao questionário.
Entretanto, é materialmente impossível ter
uma amostra que seja realmente representativa
das mulheres que provocam aborto. Por outro
lado, como a análise limita-se às condições e
circunstâncias em que foi realizado o aborto, é
difícil imaginar de que forma a falta de representatividade
poderia afetar os resultados obtidos.
É corriqueiro que se fale que quanto piores as
condições em que se realiza o aborto e a técnica
utilizada, bem como quanto menor a qualificação
de quem o faz, maiores as possibilidades
de complicações e piores as conseqüências para
a mulher que o sofre. É evidente que quanto
menores os recursos econômicos das mulheres,
piores as condições em que será feito o aborto.
Conclui-se, portanto, que o aborto provocado é
de risco apenas para quem não tem condições
econômicas para pagar a sua realização com as
melhores condições técnicas e por pessoal
especializado.
O presente estudo proporciona dados que
confirmam esta hipótese, já que inclui tanto
mulheres que tiveram complicações como um
grupo sem complicações. Isto o diferencia da
maior parte dos trabalhos já desenvolvidos, que
se referem a estatísticas hospitalares e incluem
apenas mulheres que apresentaram complicações.
RESUMO
HARDY, E. & ALVES, G. Complicações
Pós-Aborto Provocado: Fatores Associados.
Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 8 (4): 454-
458, out/dez, 1992.
O aborto provocado expõe a mulher a riscos e
complicações. Estes diminuem quando o
aborto é feito em boas condições. As
complicações resultantes de abortos mal feitos
podem levar à morte ou afetar as gestações
futuras, aumentando, por exemplo, a gravidez
ectópica e o abortamento espontâneo. O
objetivo do presente trabalho é apresentar
dados brasileiros sobre a relação entre
complicações do aborto provocado e as
condições de sua prática. A pesquisa foi
desenvolvida em 1990 em uma universidade
brasileira. Os dados foram obtidos através de
um questionário distribuído a todas as
funcionárias e alunas da graduação.
Foram respondidos 42% dos questionários das
alunas e 27% dos das funcionárias; 82 alunas
e 264 funcionárias tinham feito pelo menos
um aborto provocado; 15 e 50,
respectivamente, tiveram problemas de saúde
(complicações) após o último aborto. As
mulheres que tiveram o aborto realizado por
médico, em clínica ou hospital, e praticado
por métodos mais modernos apresentaram
menos complicações. As mulheres mais
jovens não foram significativamente diferentes
das outras com relação à freqüência das
complicações. Entretanto, esse grupo esteve
representado principalmente por alunas com
maior nível de educação e, geralmente, mais
recursos econômicos.
Palavras-Chave: Aborto Provocado;
Complicações; Aborto Ilegal

Factors Associated with Complications Following Induced Abortion
Ellen Hardy1
Graciana Alves 2
HARDY, E. & ALVES, G. Factors Associated with Complications Following Induced Abortion.
Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 8 (4): 454-458, oct/dec, 1992.
Illegal induced abortion exposes women to risks and complications. These decrease when the
abortion is carried out safely. Complications resulting from unsafe abortions can cause death or
may effect future pregnancies, increasing ectopic pregnancy and spontaneous abortion, for
example. The purpose of this paper is to present Brazilian data on the association between
complications caused by illegal induced abortions and the conditions in which they are
performed. The study was done in 1990 in a Brazilian university. Data was obtained through a
questionnaire distributed to all the female employees and graduate students. Forty-two percent
of the students and 27% of the employees responded; 82 students and 264 employees had had at
least one illegal abortion; 15 and 50, respectively, had suffered health problems (complications)
after the last one. The women whose abortions had been done by physicians, in a clinic or
hospital, and using modern techniques presented fewer complications. Younger women were not
significantly different from the others when frequency of complications was studied. However,
this group was composed mainly of students with a higher level of education and more economic
resources.
Keywords: Induced Abortion; Complications; Unsafe Abortion
1 Departamento de Tocoginecologia da Faculdade de
Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas
Caixa Postal 6181, 13081-170, Campinas, SP, Brasil.
2 Centro de Pesquisas e Controle das Doenças
Materno-Infantis de Campinas. Cidade Universitária
"Zeferino Voz". Caixa Postal 6181, 13081-170,
Campinas, SP, Brasil.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARROSO, C. L. M. & CUNHA, M. C., 1980. O
que é aborto? São Paulo: Cortez.
COX, D. R., 1970. The analysis of binary data.
London: Methuen & Co. Ltd.
HARDY, E.; REBELLO, L; RODRIGUES, T. &
MORAES, T. M., 1991. Aborto provocado: diferenças
entre pensamento e ação. Revista Brasileira
de Ginecologia e Obstetrícia, 2: 111.
LADIPO, A., 1988. Tratamento do aborto incompleto:
prevenção e controle das complicações imediatas.
Trabalho apresentado no Christopher
Tietze International Symposium, Rio de Janeiro,
29 - 30 outubro. (Mimeo.)
SCHOR, N., 1991. Morbidade e mortalidade por
aborto. Trabalho apresentado no Seminário
Nacional: A realidade do aborto no Brasil.
Embú, São Paulo, 25 - 27 outubro. (Mimeo.)
TIETZE, C. & HENSHAW, S. K. (eds), 1986.
Induced abortion — World Review, 1986. New
York: The Alan Guttmacher Institut
VERARDO, M. T., 1987. Aborto — um direito ou
um crime? São Paulo: Editora Moderna.

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